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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Deu na Veja, só falta dar no ensino...




Por Solange Pereira Pinto



Para grande parte da população urbana, domingo é dia de igreja, Veja, TV e futebol, não necessariamente nesta ordem. Ontem (21/09/2008), junto às notícias da crise americana, veio na revista uma matéria especial sobre o instigante escritor Machado de Assis que não freqüentou universidade, mas é ícone da nossa literatura.

Sabemos que a Veja é a revista semanal mais lida no Brasil. É falada e comentada, quase como centro do universo, nas escolas do país, principalmente faculdades. É tida como um meio de comunicação para se ler antes de fazer provas de concurso na área de conhecimentos gerais (!?). Ou seja, a Veja é para a maioria dos brasileiros “letrados” a maior fonte de informações.

Então, quando eu li na Veja o texto “Quem entendeu a nova avaliação do ensino?”, pensei: finalmente alguém para falar diretamente dos insumos e outras quantidades absurdas que têm virado moda por aqui. Cláudio Moura e Castro foi no x (certo da questão) e apropriadamente mostrou como índices podem não fazer qualquer sentido, principalmente quando se fala em educação.

Em certa altura ele disse: “finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas”.

Não preciso dizer mais nada... Agora me resta a esperança... Se deu na Veja, ainda que em apenas um artigo (muito bom por sinal), que dê agora também na cabeça dos brasileiros a reflexão: nem todo número informa, esclarece ou representa de fato a realidade. Qualidade não é quantidade. Veja abaixo o artigo comentado.










Quem entendeu a nova avaliação do ensino?





"Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa"

Um médico que ficasse sabendo que seu paciente tem 88 batidas cardíacas por minuto, 39 graus de febre e um índice de 380 de colesterol teria os elementos iniciais para fazer um diagnóstico. Imaginemos agora que somássemos esses três índices e mostrássemos apenas o total. Seria um número sem sentido.


É tal espécie de soma que o MEC acaba de fazer, com o seu novo indicador de qualidade dos cursos superiores, o Conceito Preliminar de Avaliação. Ao somar três indicadores, deixa o público igualzinho ao médico do parágrafo acima. Pior, junta conceitos individualmente pouco conhecidos. Como o professor Simon Schwartzman havia partido antes na empreitada de entender essa química, juntei-me a ele na preparação do presente ensaio.


O primeiro número levantado pelo MEC é baseado em prova aplicada a uma amostra de alunos de cada curso. É o Enade (a nova versão do Provão), que mede quanto os alunos sabem ao se formar. É um conceito tão simples e poderoso quanto o resultado de um jogo de futebol. Só que não podemos comparar profissões, como faz o MEC, pois a dificuldade das provas não é a mesma. Se o Grêmio ganhou do Cruzeiro, isso não significa que é melhor do que o Real Madrid que perdeu do Chelsea.


Ademais, o MEC introduziu um complicador. Soma aos resultados da prova aplicada aos formandos a nota dos calouros na mesma prova. Ou seja, premia o curso superior que atrai os melhores alunos (a maioria deles oriunda de escolas médias privadas). Portanto, soma a contribuição do curso superior à do médio. Em uma pesquisa de que participei, 80% do resultado do Provão se devia à qualidade dos alunos aprovados no vestibular. Assim sendo, ele favorece as universidades públicas, pois sendo gratuitas atraem os melhores candidatos.



O segundo ingrediente do teste é o Índice de Diferença de Desempenho (IDD). O Enade mostra quais cursos produzem os melhores alunos. Contudo, um desempenho excelente pode resultar apenas de haver recebido alunos mais bem preparados. Em contraste, o IDD mede a contribuição líquida do curso superior. A idéia é boa. Em termos simplificados, calouros e formandos fazem a mesma prova. Subtraindo das notas dos formandos a nota dos calouros, captura-se o conhecimento que o curso "adicionou" aos alunos. Portanto, mede a capacidade do curso para puxar os alunos para cima, ainda que não consigam atingir níveis altos. É o que faltava na avaliação. Exemplo: na Farmácia temos uma escola com 5 no Enade e 2 no IDD. Temos outra com 2 no Enade e 5 no IDD. Embora a média seja a mesma, esconde mundos diferentes. A primeira forma os melhores profissionais, porque recruta bem, mas ensina pouco. A segunda produz alunos medíocres, mas oferece muito a eles. Cada indicador tem seu uso.


Finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas.


Mas há outras tolices. Um curso de filosofia em que todos os professores são doutores em tempo integral pode ser ótimo. Mas seria medíocre um curso de engenharia, arquitetura ou direito em que isso acontecesse, pois as profissões estariam sendo ensinadas por quem não as pratica. Esse curso ganha pontos pelo perfil dos docentes, justamente quando deveria perdê-los. Há outros desacertos técnicos que não cabe aqui comentar. Mas, como dito, a falha mais lastimável é a decisão de somar três indicadores que mal sabemos como interpretar individualmente. Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas nos parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa.


Claudio de Moura Castro é economista (claudio&moura&castro@cmcastro.com.br)

Data: 21/09/2008
Veículo: VEJA
Editoria: SEÇÕES
Assunto principal: ENSINO SUPERIOR MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

sábado, 20 de setembro de 2008

O casulo de nós mesmos



Por Solange Pereira Pinto




O livro “Seda”, de Alessandro Baricco, escrito em 1996, é inexplicavelmente lindo. A alegoria, construída com maestria, nos faz sentir como os bichos da seda a tentar virar mariposas. O texto, tramado como as voltas das mãos de um ilusionista, surpreende. “Uma vez tivera entre os dedos um véu tecido com fio de seda japonesa. Era como ter entre os dedos o nada”.

Narrativa breve. Concisa. Não sobra e nem falta. Encanta. Tal qual a borboleta para nascer, Hervé Joncour, protagonista, segue seu destino com uma naturalidade que pode beirar ao nada. Como o cair de uma tempestade... “Era, além disso, um daqueles homens que amam observar a própria vida, julgando imprópria qualquer ambição de vivê-la”.

Baricco empresta à obra uma composição melodiosa do ritmo da prosa à escolha dos nomes de lugares, das personagens, dos detalhes; aspecto talvez influenciado por sua formação musical.

O recurso da repetição de trechos ampliados e sutilmente modificados dá no leitor a impressão de rotina, de "mundo que gira em torno de si mesmo”, de bicho a se revirar dentro do casulo para confeccionar o fio da seda.

A pacata Lavilledieu, o visionário-idealista Baldabiou, o instigado Hervé Joncour, o misterioso Japão e Hara Kei, e o contraponto feminino de Hélène, a menina dos olhos sem corte oriental, Mme. Blanche fazem as imagens sensoriais de Baricco correrem no sangue do leitor. São pequenos e certeiros picos na veia embriagando, inebriando... até o fim do mundo.

A seda. Os segredos. A sedução. “Esperou longamente, no silêncio, sem mover. Depois, lentamente, retirou o pano molhado dos olhos. Já não havia quase luz, no cômodo. Não havia ninguém, ao redor. Levantou-se, apanhou a túnica que jazia dobrada no chão, colocou-a sobre os ombros, saiu do cômodo, atravessou a casa, chegou diante de sua esteira e se deitou. Pôs-se a observar a chama que tremia, diminuta, na lanterna. E, com cuidado, parou o Tempo, por o todo o tempo que desejou. Foi um nada, depois, abrir a mão e ver aquele papel. Pequeno. Poucos ideogramas desenhados um embaixo do outro. Tinta preta.”

Disse Walter Benjamin que “toda ordem é precisamente uma situação oscilante à beira do precipício”. Lá estava Joncour. Dedilhando a seda. “Tinha atrás de si uma longa estrada de oito mil quilômetros. E diante de si o nada. De repente viu aquilo que julgava invisível. O fim do mundo”.

A rotina caminha, se repete trecho a trecho. Num átimo algo que muda... Para iludir uma rotina que insiste em se repetir... Assim como nós nos insistimos. Uma dor estranha. Tentar sair do casulo de nós mesmos... para chegar ao fim do mundo.





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Brasília, chuva fina sobre o cerrado, 20 de setembro de 2008.



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Sinopse

Na França de 1861, a tranquilidade do jovem Hervé Joncour, comerciante de ovos de bicho-da-seda, é abalada quando uma epidemia assola a criação dos fiadores europeus e o obriga a procurar a preciosa mercadoria no Japão, a milhares de quilômetros de Lavilledieu, onde vivia com a mulher Helène. Começa, então, um novo ciclo em sua vida. Em viagens perigosas, repletas de descobertas e sofrimentos indizíveis, Hervé muda pouco, mas sente fortemente o antagonismo de culturas e a intensa atração pelo desconhecido.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Criminosos educacionais: um genocídio diário

O texto é longo. Sei que a maioria não terá a menor paciência para ler. Fazer o que, né? É isso que escuto diariamente dos alunos que insistem em não ler: o tema é chato, tenho outras prioridades, o livro é grosso, tenho preguiça, me dá sono, não tenho hábito etc. Que reine a ignorância, mas para quem tiver saco lá vai.

Se eu tivesse aqui falando do último suicídio, de uma jovem de 15 anos em Porto Alegre, que vi outro dia no orkut, teria leitores atentos. Ou, se eu narrasse aqui a história do pai que jogou os dois filhos pela janela e depois pulou a janela, um oncologista americano, também. Mas a violência que tentarei descrever é outra. Ela é um pouco mais sutil, se é que há sutileza no que é violento.

Nossa quanta introdução para um assunto! Dois parágrafos! 146 palavras! É final de semestre, e quem é professor de graduação sabe o que isso significa: trabalho, muito trabalho! Chega à hora de dar notas, avaliar alunos, dizer quem vale quanto. Nesse momento me pego no velho conflito que baixa meu travesseiro sempre que tenho que fechar o diário da faculdade.

Sou contra o sistema de ensino que é utilizado no Brasil. Acho decadente. Mas, para um país como o nosso, temos uma educação à altura. Para um país que tem presidente que não estudou formalmente, isso é balela. Ainda não descobri qual é a função da escola e nem se ela é tão necessária assim, do jeito que está.

Eu pensava que a educação, a escola, tinha por objetivo formar pessoas para a vida, para o pensamento crítico, para a cidadania, para a construção de valores éticos, entretanto devo estar enganada. Não é o que se pratica. Mas, vamos ao que interessa.

Mesmo eu tendo feito dois cursos superiores e algumas especializações, acho que o diploma é uma grande mentira. Conheço muito autodidata que deixa PHD no chinelo. Além disso, muito do que aprendi na minha vida não veio pela escola, mas pelo meu interesse, por minha curiosidade, por minha inquietude e vontade de saber. Os livros que mais me marcaram não foram indicados pelos professores que tive em sala de aula. Não faço aqui apologia ao não estudo, mas à valorização dele.

Estudar é muito mais que freqüentar escola chata, com professores despreparados, com coordenadores medíocres. Adquirir habilidades ou conhecimento está vinculado à escola, assim como fazer sexo às conversas entre adolescentes. Aprendemos mesmo é fazendo e não, somente, olhando ou ouvindo sobre.

Quando chega a hora de dizer ao aluno que ele vale zero ou dez, ou todas as notas intermediárias da dezena, vêm à tona os chamados critérios. E, para se formular os requisitos existem mil e uma maneiras. Mas, temos que pensar nas competências e habilidades necessárias, mínimas ou suficientes, a serem aprendidas pelo aluno para que ele seja considerado “aprovado”. Qual é o mínimo?

Falo aqui, por enquanto, de Língua Portuguesa. Num país onde se lê tão pouco, onde se escreve tão mal, o que exigir de nossos alunos? A escola tem em sua grade curricular as disciplinas e os conteúdos importantes para a formação do estudante.

Supõe-se que ao sair do primeiro grau, o indivíduo domine com certa destreza o seu idioma materno. Pressupõe-se, também, que, ao sair do segundo grau, o cidadão não só saiba ler bem, como se expressar adequadamente por escrito e oralmente na língua nacional. Ou seja, ele estará habilitado a escrever dissertações, cartas, e textos variados, bem como ler criticamente, ao pegar seu diploma do secundário.

Essa é a realidade do Brasil? Vejo que não. Os cursos mais baratos, na maioria das faculdades particulares, são Pedagogia e Normal Superior. Os futuros educadores, que formarão nossas crianças, ganharão salários proporcionais aos valores das mensalidades que pagaram durante sua formação acadêmica. Triste realidade. A saída é aumentar o valor da mensalidade da graduação?

Todo início de semestre pergunto aos alunos sobre o que motivou a escolha do curso. Ouço muitas respostas do tipo: “eu queria fazer direito, mas é muito caro. Então, escolhi o Normal”; “gostaria de cursar psicologia, mas só passei para pedagogia”; “escolhi esse curso, pois é o mais barato da faculdade”; “ser professor tem mais mercado de trabalho”; “o curso é mais rápido”. São inúmeras as considerações dos graduandos. Penso que não é só para os cursos que formam professores. Existe uma grande dúvida entre os jovens na hora de escolher uma profissão. Eu também tive.

O que me deixa mais chocada, talvez, é o fato de perceber que, em geral, o aluno (de qualquer curso) está mais preocupado com o diploma do que com a sua real formação intelectual e crítica. Há o mito que, com o simples canudo na mão, as portas do mercado de trabalho se abrirão. Quando sabemos que neste país ainda impera muito o “quem indica” e que diploma por si só não é suficiente.

Outro ponto é que quem está dando aulas em faculdade nem sempre está habilitado ou é competente a fazê-lo. É a velha roda girando. Professores despreparados, indicados, ou com títulos, mas sem o conhecimento e a didática para praticarem bem o ofício. Isso começa lá no maternal. Aquela professora que leva muito jeito com criança, mas que mal sabe escrever três parágrafos com coesão e coerência. Na universidade não é diferente. Já vi doutor que não usa os plurais. Já ouvi palestrante mestre que não tem concordância verbal. Já li texto de coordenador acadêmico que não tem sentido.

O que tudo isso significa? Que o Português é o entrave na vida do brasileiro? Só se for o colonizador, que seria com letra minúscula. Alguém pode sugerir que o nosso idioma é complexo demais. Concordo que seja. Outro dia li um texto que achei interessante, e um trecho dizia “não se ensina língua portuguesa para saber língua portuguesa, mas para desenvolver capacidades de comunicação (ler, escrever e expressar o que se deseja ou o que se pensa) e de representação da realidade imediata, bem como de se relacionar e de se integrar social e culturalmente”.

Então, dá para entender qual é a proposta: comunicar para se relacionar e se integrar socioculturalmente. Contudo, o vestibular está repleto de peguinhas gramaticais, de interpretações enlatadas de textos, de perguntas sobre o emprego do “que”, isso para se entrar em universidades públicas, pois para as particulares nem a redação sei se realmente é corrigida. Desta forma, vamos exigindo que nossos alunos fiquem “decorando” análise sintática ao invés de treinarem sua expressão e leitura crítica. Ou, ainda, empurrando de série em série para evitar a evasão escolar, com o pensamento: é melhor isso do que nada; o que faz certo sentido.

Os chamados analfabetos funcionais (nome tão em moda nos dias atuais) estão por toda parte, médicos, engenheiros, advogados, analistas de sistemas etc. Pessoas ditas “formadas” incapazes de lerem uma notícia de jornal e entender o que se passa no planeta. Eu confesso que meu domínio da língua portuguesa é relativo. Nem sei se um dia chegarei à qualidade de especialista, mas não tenho dúvidas de que sei me comunicar bem e entender o que leio. E, certamente, não foi a partir das enfadonhas aulas de gramática, mas da leitura constante que me habituei desde criança.

Quem lê bem, fala e escreve bem, diz o velho ditado. No entanto, por que não se lê bem neste país? Os livros são caros é uma realidade, porém existem bibliotecas (ainda que poucas em alguns lugares), hoje existe internet, há amigos que compram livros, as possibilidades estão por aí. Acredito que o que falta é valorizar a leitura. O que falta é incentivar a curiosidade, a pesquisa, a autonomia.

Outros dirão, mas, diante da perversa realidade social em que vivemos, não há tempo para ler, tem que se matar o leão para trazer a carne de todo dia. Até quando acreditaremos que o leão estará disponível na selva de pedra, se não houver habilidade para buscá-lo?

Voltemos às salas de aula da infância e da juventude. Professores matando seu leão diário não se preocupam (nem todos é claro) em mostrar que aprender pode ser interessante, divertido, necessário para o desenvolvimento individual e social. Dão suas aulas burocráticas para receberem o salário sofrido e reclamar da profissão. Professor não gosta “ensinar”, aluno não gosta de “aprender”. Como resolver essa equação?

A cada ano milhares de novos professores são lançados no mercado. Muitos deles apenas freqüentaram a faculdade, vários não leram quase nada, outros leram e não entenderam e foram aprovados. Creio que o nível dos diplomados, genericamente, está baixo. Lembrando que o tempo de graduação está diminuindo. Hoje, se “forma” um futuro professor do ensino fundamental em três anos, míseros 36 meses, tempo de um consórcio de carro. Considerando que a base escolar foi caótica, o que esperar desses futuros “educadores”?

O modelo atual da educação superior é baseado no lucro, na quantidade de alunos, na aprovação em massa. Diploma é mero produto de consumo e o conhecimento nem sempre entra nesta embalagem. Pagou levou, se aprendeu não sei. A fila anda. Professor que reprova muito é jubilado e mal visto, deve ser “incompetente”.

Os pontos são tantos que daria para escrever um livro. Todavia, o interesse deste texto não é solucionar os problemas da educação brasileira, nem simplesmente apontar culpados, tão menos depreciar quem luta fazendo sua parte profissional e social. Os responsáveis, por uma educação melhor, de qualidade, estão em todos os lares e âmbitos: escola, professores, alunos, sociedade, governo, família.

Pais que lêem e incentivam os filhos criam leitores em potencial. Mais um clichê que faz sentido. Não se pode responsabilizar o governo (ou falta dele) por todos os fracassos educacionais e tampouco a escola. A obrigação é coletiva. A educação está para além dos bancos escolares, embora seja, em muitos casos (excetuando o autodidatismo que eu apóio, mas a sociedade não), necessário passar por eles. Educar passa pela cultura de um povo, passa pela identidade nacional e sua expressão mais profunda.

Temos que acabar com a mania de culpar o outro e tirar dos próprios ombros o compromisso. O ônus é de todos. A sociedade brasileira está repleta de criminosos educacionais que cometem diariamente um genocídio social e cultural. As crianças estão sendo assassinadas em sua chance de viver melhor. O país está sendo estuprado todos os dias pela ignorância. Há um suicídio generalizado do comprometimento de se formar uma civilização melhor. Há um seqüestro do que é verdadeiramente importante e ético. Até quando?

Se você conseguiu chegar até o final deste texto, provavelmente não é o leitor a quem ele se destinava, visto que são sempre os mesmos que lêem, têm o senso crítico, e clamam pela mudança estrutural. Aqueles que deveriam ler isto aqui, refletir, questionar, duvidar, acham que estão matando um leão por dia e que ver TV é o que resta. Ah, de volta ao começo, estou no final do semestre fechando notas e o diário, que nota eu dou de zero a dez?


Brasília/DF, 21 de junho de 2006.

Solange Pereira Pinto
Cidadã brasileira

Fotografia


Título: Eus difusos, as luzes da cidade
Autora: Solange Pereira Pinto
Técnica: Fotografia
Local: Brasília/DF
Data: 11.03.2008

Homens e mulheres I


Outro dia uma amiga me contou:

- Você nem acredita!
- Diga...
- Sabe a minha amiga kátia?
- Sim, sei.
- Então, ela me apresentou um amigo dela recém separado.
- E...
- E, daí que ela tomou um porre no dia e tive que sair do boteco pra levá-la em casa.
- Hum...
- O problema é que o amigo dela tinha me mandado uma mensagem pelo celular para eu voltar, enquanto eu levei a kátia em casa. E eu voltei.
- Sim, mas o que houve?
- O que houve? o cara ficou puto porque eu voltei pro bar e no final eu não fui pra casa dele. Na verdade, eu voltei para conhecer o pessoal melhor e não pra ficar com ele assim na dura. Entende?
- Sim, menina, eu entendo. Os homens que não entendem isso.
- Pois é...
- Depois reclamam que mulher dá mole demais.
- Pois é, pois é.
- Homemané fica na mão... na mão...


Fonte da imagem aqui

Abaixo o hábito de ler!!

A escola da minha filha tem um programa de leitura chamado ciranda do livro. O objetivo é que cada criança pegue uma obra para ler no fim de semana e faça, na apostila encadernada em espiral, uma atividade pré-determinada (desenhar uma passagem, escolher um personagem favorito, ilustrar a idéia principal, fazer um breve resumo etc.).

Imagino que nem todos os alunos façam a tarefa de bom grado. No início a escola tentou uma competição: a criança que pegasse mais livros na biblioteca ganharia um prêmio ao término do período X. Minha filha logo chiou: “mamãe, assim não vale. Tá muito chata essa história de quem lê mais. Tem gente que só pega livrinho fininho e com muita figura pra ler rápido e pegar outro. Eu que escolhi pelo título, por que achei interessante a história, vou perder. O meu livro é muito mais grosso que os outros!”, choramingou.

Tinha ela razão. Vencer a competição era o objetivo das crianças sob o pretexto da escola de formar o hábito da leitura e quiçá cidadãos do futuro. Nesse meio tempo, crítica daqui, chororô acolá, ficou difícil para a professora lidar com a manobra “pedagógica”, deslindada pela pequena estudante.


O projeto competitivo saiu de cena e a apostila em espiral continuou seu trajeto, às sextas-feiras, mochila adentro; só que agora sem a pressão de se ser o primeiro lugar no ranking de “leituras lidas”. Algumas crianças ficaram aliviadas. Alguns pais também. Ufa!

Chegado o dia de mais uma escolha, minha menina, que se chama Ana (Luísa) optou por pegar um livro chamado Ana e Ana, segundo as palavras dela “achei pela capa que podia ser interessante”. E era. Aliás, é!

O livro de Célia Godoy, ilustrado divinamente por Fé, narra a história das gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz, que idênticas na aparência tentavam se distinguir por cores, roupas, adereços, ainda que “por dentro” fossem bem diferentes nos gostos e afinidades com o mundo. Cresceram e cada uma tomou um rumo, até que...

Até que eu parei para pensar se a leitura é um “hábito-ato” possível de se formar em alguém. Sendo professora há algum tempo e exatamente na área de produção de textos, leitura e interpretação, recordei das principais dificuldades e justificativas dos meus alunos quando perguntados sobre o tal, difundido, alardeado: hábito de ler!

Em geral, se apontam desconcentração, sono, preguiça, falta de exemplos familiares, ausência de livros em casa, dificuldade de entendimento, cansaço, visão embaralhada, e, principalmente, falta de tempo! Questionados sobre este último item, respondem: “ah, professora tem muita coisa melhor a fazer do que ler, como ver TV, praticar esportes, sexo, passear, navegar pela internet...”.

“– Mas céus! Vocês não gostam de ler nada?”, re-interrogo.
“– Também não é assim. A gente lê sobre o que gosta ou sobre o que precisa”.

Se tempo é uma questão de prioridade, e nele a gente ocupa primeiro o que dá prazer ou necessita, aonde entra o esforço pedagógico de formar o hábito de ler? Creio que na vala comum.

Diz o companheiro Houaiss que hábito é “maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente; costume, regra, modo, maneira permanente ou freqüente, regular ou esperada de agir, sentir, comportar-se; mania”.

Ora, formar o hábito de ler para quê?

Em certa medida, quem tem uma formação escolar considerada razoável (sei lá o que isso significa) lê o que lhe atrai. Jornais, almanaques, cadernos de esporte, revistas semanais, publicações de fofocas etc, estão pelas esquinas e bem amassadas, indicando que mãos e olhos passaram por ali.

E daí?

Nada!

O hábito de ler, melhor formulando, a prática de ler não significa em essência nada. O costume de ler pode ser um desábito de adquirir conhecimento. Entrar no piloto automático da leitura não traz por si só transformação.

Se ler é um dos caminhos para se chegar ao conhecimento de determinado fenômeno, idéia, verdade, ler por ler é no máximo chegar à aquisição de dados brutos e informações superficiais, massificadas, deglutidas por seus autores para todos.

Hoje deveríamos por em pauta, conclamar, não o desgastado hábito de ler, mas sim o hábito de pensar, o hábito de querer saber, o hábito de ser curioso. Se os próprios considerados – pelos professores – não-leitores admitem ler o que lhes interessa, óbvio seria despertar antes a vontade de conhecer. Ler, por hábito, deveria deixar de ser regra de conduta apregoada pelas escolas. Transformar o pensamento e ampliá-lo por desejo, deveria ser a etiqueta.

Ler é mera conseqüência. A causa é querer sair do lugar-comum, voar sem tirar o pé do chão, pensar para existir... Meu hábito maior é “Ser” e por isso eu leio muito. Dessa forma, vou me desabituando de mim para me habituar às minhas releituras...
Brasília, 14 de setembro de 2008 - Cerrado na seca!




(Tirinha criada especialmente para este texto por minha amiga Creisi - veja outras tirinhas aqui)

Eu, acompanhada

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