Aviso importante:

A visualização deste blog fica melhor em computador. Todos os textos (e esboços) postados neste blog são de autoria de Solange Perpin
(Solange Pereira Pinto). Portanto, ao utilizar algum deles cite a fonte. Obrigada!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Rimas, pobres, de sedução

Tem gente que toma a gente de jeito.

O nome se torna imã da mente
e o pensamento refém do sujeito.

O silêncio cede vaga aos batimentos
e a ausência o medo do movimento.

O relógio repete a última visão
e a espera o compasso da exceção.

A ideia fixa traz o tema
e os fantasmas os argumentos.

O dia se ocupa desse vão
e a noite tece o véu do não.

A pele tatua o enigma
e a língua mastiga o tormento.

Tem gente que toma a gente de jeito.
Não tem jeito não.


(Solange Pereira Pinto, sollpp@gmail.com)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sem comparações





 
Sem comparações


Econômica em sorrisos e lágrimas, Dilma Rousseff chega à Presidência da República. A primeira mulher presidente do Brasil nunca havia entrado em qualquer disputa eleitoral. Na primeira, venceu.

Ainda que muitos tenham criticado sua imagem, foi com a estampa tão diferente do seu antecessor que demonstrou ser opção melhor que seu o adversário (tantas vezes eleito sem nada finalizar direito).

Dilma não precisa provar que chora, ou não chora. Sem #mimimi, ela age. Disciplinada, exigente, combatente (lembrou-se de sua mãe ou avó?). É mulher guerreira como tantas outras que erguem lares país afora e os mantém na luta da lida diária. Leais ao próprio destino de sobrevivência. Sem choro, não necessariamente sem sentir ou sofrer.

Dilma inaugura nova fase (tomara!) em que valores sexistas, machistas, tendem a enfraquecer. Entra em cena uma mulher e esse fato tem que significar algo positivo e valorizado neste país. Eu, sinceramente, fico muito desesperançosa ao assistir, presenciar, ouvir, ler “brincadeiras” e “piadas” tão preconceituosas (já no século XXI tecnológico e globalizado) que minha sensação é a de que o ser humano não tem mesmo evolução natural possível. Explico.

Vi, durante a campanha, tantos comentários idiotas sobre estética, vestuário, beleza capilar e facial, etc. que achei se tratar de concurso de misses falsificadas-plastificadas, como ultimamente são as da indústria de beleza venezuelana. Tudo bem que os políticos não representam a categoria mais confiável, mas diminuir a discussão política de um país ao penteado de uma candidata ou as estampas de suas roupas, quantidade de lágrimas e de sorrisos, me fazem desqualificar a inteligência dos enfáticos comentaristas-eleitores de plantão.

Deixemos bem claro que existe diversidade e que pluralidade é a palavra da moda nesta época de convenções e tratados internacionais de clima, saúde, trabalho, direitos humanos e tal. Assim, nem toda mulher é uma Barbie que vive no planeta cor-de-rosa. Nem toda mulher é frágil feito sapatinhos de cristal. Nem toda mulher se descabela escada abaixo à meia noite com medo de se transformar. Nem toda mulher espera em berço esplendido alguém para lhe salvar. E, claro, nem toda mulher tem o olhar firme, a voz decidida e a coragem para servir a um país.

Dilma é aquele tipo de pessoa (mulher) que ri quando acha graça. Ela é assertiva, característica tão desprezada neste país de amadores, inseguros e tementes a qualquer profissionalização ou nível maior de exigências quanto à capacidade e habilidades (que vencem, óbvio,  o tal “jeitinho” de tudo se resolver).

A recém-eleita presidenta, segundo as reportagens, é organizadora, leal, obstinada e sabe cobrar compromissos. O Brasil se dividiu, porém escolheu. E ela é mulher. Os brasileiros estão mudando? Estamos avançando para a conquista de novas liberdades, menos uniformes e conservadoras ditadas desde sempre pelos homens nesta nação? Nas urnas não a escolhi (nem ao adversário), mas faço votos de que o governo Dilma seja sem comparações.

Por Solange Pereira Pinto

P.S. E finalizo com um poema para ser ouvido http://www.youtube.com/watch?v=i6vQmLfRLyU&NR=1

domingo, 1 de agosto de 2010

Resenha: Os suicidas - Antonio Di Benedetto

Entendidos, mal entendidos, desentendidos e tolos


Para Fernanda de Aragão e Ramirez
 



 por Solange Pereira Pinto
Cerrado gelado, julho/2010.
sollpp@gmail.com



A única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior (Laing)




Mês qualquer de 2007. A pilha de notícias recortadas amiúde, como diria o Zé Ramalho, me olhava naquele sábado. Vontade louca de ler. Daquelas que somente os fins de semana me permitem realizar em compulsão. Do jeito que eu gosto. Uma possível página amarelada de jornal, daquelas que a gente obsessivamente guarda para ler depois (provavelmente do caderno Dois ou da Ilustrada), me deu piniqueira. Uma comichão de desejo de ler. Titulo ponta de lança. Direto ao assunto. Lancei na lista.



No Brasil a partir de 2005, vagava pela Argentina desde 1967. Ano em que nasci. A fórceps. Na epígrafe a sentença de Albert Camus que eu viria a conhecer somente em 2010: “Todos os homens sãos pensaram em suicídio alguma vez”. Li 42 anos depois por terceiras mãos. “O meu pai pôs fim à sua vida numa tarde de sexta-feira. Tinha 33 anos. Na quarta sexta-feira do próximo mês eu terei a mesma idade”, ele me contou, o jornalista medíocre. Começava a sina. Dele. Minha. Nossa.



Por três anos. Em duas mudanças de apartamento ele não se perdeu. Mas precisou de uma preciosa visita jogar Antonio Di Benedetto novamente em meus braços. Ele, que sempre esteve ali, mirando na altura do meu queixo, diariamente, mais se fez notar esmagado entre a poeira dos tablóides do que em sua postura entrosadamente deitada. Tranqüilo. Alaranjado em meio a José Luis Peixoto e Luiz Antonio de Assis Brasil. “Ver claro é muito difícil”.



Sua conversa sem aspas, ou outros sinais, e direta me atraiu rapidamente. Como nos momentos fáticos dos pontos de ônibus ou elevadores nos quais nos vemos monossilábicos e atamancando as palavras. Entre um respiro e outro. “Tem razão. Trabalhe com Marcela. Por que a Marcela? Lembra, a reportagem do avião caído na cordilheira. Sabe se arriscar. Neste assunto não haverá riscos, vamos lidar com mortos. Não haverá? Assim espero. Quem sabe”. Sem travessões.




Fernanda queria um livro para passar o tempo enquanto eu trabalhava ou dormia. Rotina de visitante, de feriado. Uma semana entremeando 164 páginas. Por que Tiflis e Pizarro não suportaram viver? Qual é o mistério daqueles que se matam? Haveria sete dias para ela conhecer os rumos de Júlia, Mercedes, Bibi, Paolo, Maurício e outros. Tempos depois Fernanda me disse a literatura lhe ajudava a esperar meu alerta. As horas acabarem. Desentendi. “Justamente, ontem à noite sonhei de novo que estava andando nu”. Por muitas vezes isso se repetiria. Conosco.


O encontro do novo grupo de literatura viria acontecer somente quatro meses depois que a Fer tinha voltado para São Paulo. Eu e alguns amigos tínhamos inaugurado o bate-papo com “A Trégua”, do quase homônimo, o uruguaio, Benedetti. E, no mesmo dia, procurávamos por uma obra a ser debatida. Lembrei dos comentários da Fernanda dizendo o quanto a parte que ela lera de “Os suicidas” era divertida e engraçada. Leve. Sugeri. Tolas.


“Pergunto-lhe se seria capaz de fotografar um tremor. [...] Insisto: ‘O tremor em si mesmo, não os efeitos e conseqüências: nem pessoas que correm nem uma parede rachada nem a torre caída de uma igreja’”. Era o argumento do personagem para se pensar o significado dos olhos estáticos e abertos de um morto naquele último instante; diante da morte sentiu algo. O que? É possível captar, interpretar? Do mesmo jeito Benedetto ia me guiando pelas impossibilidades de uma leitura só. Além dos entendimentos. Comuns.


Vieram os conceitos de morte. A pesquisa do autor na voz dos personagens. Os fragmentos de textos. Reportagens. Explicações filosóficas. Estatísticas e manipulações. Casadas ficção e realidade. Interpretação. A linguagem pós-moderna tomava as páginas daquele livro do século passado. “Viver é bom, às vezes. [...] Ele ficou, no retrato, para sempre, jovem. Nunca será velho. Ninguém poderá humilhá-lo. Se não se vive, não é preciso agüentar que nos deixem viver. Os demais nos deixam viver, mas determinam como”.


Eu tinha apenas uma noite para decifrar a escrita entrecortada e fascinante; para mim – novidade. O grupo literário já revelava, virtualmente, o desapontamento e a nota desfavorável. A pontuação da turma beirava de zero a menos da metade. Muito longe da nove; eu lhe daria. “Prescindo do café-da-manhã, tomo um café preto, na cozinha, onde permanece com seu vinho tinto o copo que servi à Mae West”. Deliro – “Nascemos com morte dentro de nós [...] Os corpos já se encontram nas padiolas, mas estas permanecem no chão. Panos ásperos os cobrem. Quero ver o rosto.” – sob edredons que vestem a noite gelada do cerrado. É julho em Brasília.


“Acho que é um pacto. É um pressentimento meu”. A trama vai envolvendo desentendimentos familiares. Traição. Ciúme. Competição. Melancolia. “O meu irmão se suicidou aos 60 anos. Eu nunca havia me preocupado seriamente com isso, mas, quando cheguei aos 50, a lembrança adquiriu vivacidade para o meu espírito, e agora eu a tenho presente”.


A narrativa é atraentemente descompassada, feito peito em arritmia frente ao medo ou à excitação. Ela coloca em plano secundário os nomes dos personagens e o fio da investigação sobre a motivação dos suicidas; apresentados como cadáveres nas primeiras páginas do enredo. Não importa. O mote é outro. O foco, o que se pretende instigar, está do outro lado do miolo impresso pela editora Globo. O livro é a arma que o leitor aponta para si. Para os próprios miolos.



Interessante, além da polêmica que o livro gerou no debate literário sobre a sua qualidade, é o preconceito que o título evidencia. “Os suicidas”. Colado ao lado do nome de seu autor. Logo abaixo da mancha alaranjada que escorre do topo para ilustrar sua capa. Aquarela? Sangue? Quem enxerga o que? A escolha em ler a obra, tardiamente traduzida no Brasil, gerou suspeitas. Um amigo disse: ela (eu) deve estar muito desiludida, deprimida e melancólica para sugerir essa leitura. “Doze, doze suicidas já houve entre os nossos. Eram fantasias de glória, revanches de quem vinha de uma existência de humilhada adversidade? Ele sonhava isso ou eu sonhei que ele sonhava?”. Mal entendidos. Desentendidos.


“Senti um tremor e indaguei na minha alma se era medo e eu não soube me responder, mas descobri que também podia ser a irrupção de um vivo gozo. Nesse momento, me acometeu algo inesperado, uma espécie de forte ataque de vaidade: enrolei o papel...”. Tive a chance de saber mais da morte por outras mentes e viventes. Durkheim. Cleópatra. Hamlet. Kierkegaard. Kant. Camus. Platão. Pitágoras. Camus. Balmes. Buda. Confúcio. Voltaire. Hegel. Nietzsche. Schopenhauer. Hume. Napoleão. Em complemento às religiões. “A tarde flui lentamente para o ocaso”.



“De fato, a questão não é por que eu me matarei, mas por que não me matar”. Às 17 horas, quatro antes do encontro, fechei a última capa entre: entendidos, mal entendidos, desentendidos e tolos. “São 11 horas. Terei de avisar, o que será embaraçoso. Devo me vestir porque estou nu. Completamente nu. Assim se nasce”. Vesti uma calça preta, uma blusa azul. Passei batom. Cheguei atrasada no Café com Letras. Pedi um chopp. Entre seis, o debate começou. “O vento continua, faz uuh, enfia-se por entre os edifícios”. Eu sonho também que vou descalça para o trabalho. “Sobra-me noite”. Ela chega.



segunda-feira, 19 de abril de 2010

Acabou o bombril

Por Solange Pereira Pinto


Eu não sei de nada!

Só sei de laicidade
e de jornalismo 2.0.
Balé,  Dromos, Dina
e dever de casa.

Eu não sei de nada!
Nem de terremoto,
Nem de governador.

Só sei de entupimento
na carótida e coronária,
de sabão em pó, convênio
e coxão mole.

Eu não sei de nada!
Nem de vulcão,
Nem do Chico Xavier.

Só sei de MSN, de twitter
e de responder gmail.
Barra de nutri e
bala de coco.

Eu não sei de nada!
Nem de Belo Monte,
Nem da Grã-bretanha.


Só sei de gasolina
e de cheque especial.
Coceira no dedo, anel
e fio dental.

Eu não sei de nada!
Nem de Viver a Vida,
Nem de Faustão.

Só sei de camisinha e
de ventilador ligado.
Xampu de algas, celular
e aluguel.

Eu não sei de nada!
Nem do Haiti,
Nem da H1N1.

Só sei de cansaço e
de tempo escasso.
  Acabou o bombril




viu?

domingo, 4 de abril de 2010

O sangue de Cristo virou bits nesta páscoa


A tecnologia a serviço das ovelhas desgarradas

Por Solange Pereira Pinto
Em 4 de abril de 2010.


Sempre me impressionou a quantidade de felicitações em certas datas do ano versus o sumiço generalizado das pessoas nos dias e nos fins de semana da vida em si. Nos 365 movimentos de rotação do ano, posso dizer que em menos de dez ocasiões recebo contato de grande parte da minha agenda acumulada nos 42 anos (em declínio anual em quantidade), sejam elas “amigas” ou “familiares”.

Minhas caixas de e-mail ou de celular se enchem de aspas, pela ordem cronológica, de “Feliz Ano Novo, (“Feliz Carnaval” ninguém dá, mas alguns chamam para comemorar),  “Feliz Dia da Mulher” (alguns poucos homens normalmente), “Feliz Páscoa”, “Feliz Dia das Mães (ou dos pais)”, “Feliz Dia dos Namorados” (ou Dia do Amigo), “Feliz Dia das Crianças (no caso da minha filha)”, “Feliz aniversário”, “Feliz Natal”.

Os defensores das tradições dizem que são datas para confraternizar e unir “pessoas que se gostam”; “promover a interação” (que não foi praticada nos 355 dias restantes).

Essa fraternidade, de produção cristã e cultura comercial, se transforma em quase tortura para quem valoriza as relações baseadas em afetos e afinidades verdadeiros e voluntários. É praticamente uma agressão moral estabelecer como indispensáveis certas reuniões, quando sabemos que é praticamente impossível comungar dos mesmos pontos de vista, convicções, estado de espírito, amizade sem a prévia ou sólida construção de vínculos baseados em afinidades sinceras ou interesses (comuns?).

Tempos atrás, os homens se sentavam na sala para fumar seus charutos e tragar um drinque regado a assuntos masculinos, enquanto as mulheres se reuniam na cozinha para trocar receitas, moldes e exaltar as qualidades das crianças.

Hoje muitas famílias são formadas por filhos de vários casamentos, gays e negros têm outro status social, mulheres não se casam, adolescentes transam em casa.

Contudo, as datas comemorativas continuam iguais na mentalidade social: os tradicionais feriados cristão merecem reverência, apesar da inclusão no calendário dos dias dedicados ao amor (14/02),  poesia (14/03), saúde (7/4), livro (23/04), educação (28/04), direitos humanos (10/12), criatividade (17/11), vida (13/10), lembrança (26/12), etc. Todo dia é dia de...Correr e não ver ninguém!

É indiscutível que os conceitos de família, de casamento, de amizade, de contato social vêm mudando e a forma de interatividade e escolhas pessoais também. A consangüinidade não é hoje suficiente para, por si só, estabelecer relações e tampouco garantir boa convivência.

Se antes havia uma pressão para o encontro familiar obrigatório, sob chicote e chantagens, hoje a pressão continua, mas ninguém é obrigado a manter contato direto e pessoal a contragosto. Pois, além dos porres alcoólicos providenciais que tiram de cena rapidamente uns, outros objetos intermediários vêm salvar a agonia dos desgarrados.

Antes que o tédio chegue ou uma frase agressiva role boca abaixo, os bits vêm auxiliar aqueles que se desviaram das convenções sociais desprazerosas e primam por estabelecer contatos diários de outra natureza.

Como em outros tempos os recursos eram mais escassos, as pessoas se obrigavam ao diálogo forçado, ao sorriso amarelo e ao tapinha falso nas costas durantes horas.

Agora, o sinal de descontentamento é mais claro. Exemplo disso é uma reunião familiar de páscoa que pretende juntar todos os parentes dissonantes ao mesmo tempo e no mesmo lugar em nome da “confraternização e ressurreição”. Considerando que os interesses não são comuns, geralmente, lá estão – fisicamente – todos no mesmo ambiente, porém suas almas e desejos viajam eletronicamente para bem longe dali.

A garota de 15 anos está grudada no celular, enquanto o tio assiste futebol na TV, a tia vê Domingo Legal na outra, a prima joga paciência no netbook, o garoto vidra os olhos no DS, a mãe manda SMS para a amiga, o avô cochila na cadeira de balanço, enquanto uns três mais animados bebem e falam amenidades.

Nestes nossos tempos, a interação sanguínea – parental - já não é suficiente para sustentar a comunicação interpessoal. Os indivíduos na posse de recursos mais amplos e ricos buscam compreensão, entendimento e aceitação que ultrapassam a cota dos insuficientes e maçantes 10 fins de semana “obrigatórios” por ano (até por que quem se gosta mesmo ultrapassa os meros rituais da tradição social).

As relações podem ser atualizadas por bits e são precedidas de escolhas que enfatizam discurso, a linguagem e a plateia. Nesse caso, as pessoas querem falar sobre o que desejam e querem ser ouvidas por isso.

Dessa forma, a torre de babel familiar acaba ruindo por que quase ninguém se entende, o tempo “ruge” (bravo!), todos querem aproveitar bem cada dia vivo e a tolerância para escutar temas que fogem ao interesse comum está se esgotando rapidamente.

Assim, as afinidades para as trocas comunicativas significativas têm sido ressaltadas por todos aqueles que prezam a liberdade de pensar, agir, sentir e, sobretudo, respeitam os outros nessas mesmas condições. Ou seja, excetuando, obviamente, pais (mães e similares) ditadores que impõem a obediência a despeito de qualquer sofrimento alheio (sim, há pais sádicos que dizem educar), as pessoas escolhem para conviver –  nos momentos de lazer – os iguais ou afins quanto à linguagem, tema e discurso.

No início deste século, vemos o sangue se transformando em linguagem. Buscam-se mais as ligações discursivas do que as ligações sanguíneas. Os encontros são precedidos pela construção de mensagens que variam desde o contexto amoroso, de acolhimento até o de identidade – os afetos e as afinidades.

Tudo isso, passa pela palavra, pelo diálogo, pela compreensão do pensamento do outro, e não pela quantidade de eventos sociais. Roupas, objetos de consumo, estilo de vida, leituras, convicções formam um discurso e estabelecem, sem dúvida, a identidade que atrairá outros iguais.

A raça dá lugar à tribo. O sangue dá lugar á linguagem – analógica e digital. Quando não se entende não se gosta e a comunicação precária leva ao abandono.

Certamente ninguém quer ficar sozinho e hoje basta um aperto de botão para os bits se processarem e mudar o nível de satisfação. Ainda que o discurso planetário seja pela inclusão das diferenças e pela tolerância, essas bandeiras se adequam melhor aos campos do trabalho e das obrigações civis, pois nos bastidores de cada lar é que se revelam  com mais evidência os preconceituosos, racistas, homofóbicos, nazistas, ditadores, machistas etc.

Portanto, das diferenças conceituais tenho fugido e termino este discurso desejando a todos um “Feliz Dia da Internet, das Comunicações e das Telecomunicações”. Viva o dia 17 de maio! Dia da alforria dos vínculos familiares e sociais obrigatórios.


terça-feira, 30 de março de 2010

Por que ver BBB?

Hoje tem paredão!

Quem ganha?

a) O Cadu, homem sensível que interagiu bem com todos da casa e nunca foi votado pelos brothers, o que não deixa de ser um reconhecimento pela capacidade que ele tem de conviver pacificamente em grupos, o que eu gostaria de ver clonado e triplicado na sociedade;

b) a Fernanda, que poderia levar o segundo lugar, por representar a grande parte morna do país, uma pessoa que faz esforço para sempre se controlar mas de vez em quando mostra o que realmente é;

c) ou Dourado, favorito tosco, que representa a projeção e o desejo da passiva população brasileira de ser mais ativa, irada, destemida e tosca com atitude corajosas?


A ilustração abaixo veio do blog Chiqsland



Façam suas apostas!

quinta-feira, 4 de março de 2010

(À)VIDA EM A4 (porque a vida é recorte)


Ausências, amnésias, autismo e abacaxis: a vida em sociedade no século XXI


Por Solange Pereira Pinto
sollpp@gmail.com
Bsb, 4 de março de 2010.


Oficialmente, de onde narro, são oito da noite. Quinta-feira, quatro. O ano é 2010. Recém chegado, porém velho. Tudo quase igual se não fossem os dias a mais na conta de quem faz conta. Os rituais e as datas comemorativas se transformam ao ritmo – da mesma sensação que temos – de a Terra girar em torno do Sol; praticamente imperceptível, mas em diário movimento orbital.

Passaram as festas do fim do ano, passaram as férias para quem as teve em janeiro, passou o carnaval e o Dia Internacional da Mulher ainda não passou, pelo menos por aqui.

No planalto central, as chuvas de março já não caem tanto, como antes, para finalizar o verão. O trânsito volta ao que chamam, equivocadamente, de normalidade, uma vez que ruas livres se tornam cada vez mais a exceção. O padrão é engarrafar; estressar-se na tentativa do ir e vir urbano.

As tendências apontadas pela medicina sugerem aumento exponencial de doenças tais como: diabetes, hipertensão, anorexia, derrame, alcoolismo, infarto, bulimia, depressão, fobia, ansiedade entre outros transtornos e enfermidades originados pelo estilo de vida farto (ou inversamente carente) em gorduras, açucares, sal, imagens e tensões que perturbam a homeostase humana.

Do lado ocidental do mundo, abaixo do hemisfério, percebe-se pela televisão – com programação 24 horas – que há distintas tribos espalhadas pelo planeta, diversas raças, variadas crenças, muitas teorias, infinitas controvérsias, muitos paradoxos, e, inúmeros conflitos e dúvidas.

Aliás, as certezas possíveis que podemos depreender desse cenário, mais que moderno, no qual estamos inseridos neste início de terceiro milênio, é que todos os seres vivos morrerão algum dia e grande parte dos seres humanos insiste em viver ainda que o panorama não seja tão animador.

Passado o aquecimento (não aquele temido propagandeado global, mas interno e intelectual) das ideias, passo ao morfológico: Ela fala que estou por fora. Ele diz que sou teimosa. Elas reclamam que não apareço. Eles me chamam de ranzinza. Ela acusa minha conduta. Ele questiona o cozido. Elas comparam as bijuterias. Eles admiram os comprimentos das saias. Ela... ele... Elas... eles...

Entretanto, dizem que estamos em tempos de nós (das conjugações plurais ou das cordas atadas?). Nós podemos. Nós queremos. Nós somos. Nós temos. Nós devemos. Nós estamos. Anunciam que é a época da coletividade, das parcerias, das políticas públicas, da solidariedade, do senso de comunidade.

Por outro lado, acima, defendem-se os direitos individuais. E, assim, o sujeito EU rouba os verbos para si e passa a pronome da vez. Um “Eu” se sente sozinho. Outro “Eu” ignora “Ele”. Algum “Eu”, por ai, se torna antissocial, casmurro, misantropo, sorumbático. E tem “Eu” que se esquece de si para cuidar de outro “Eu” que só olha para si.

Interessante notar que surge, também, um “autismo social voluntário” que privilegia, em seus pensamentos e sentimentos, a perda da relação (obrigatória ou preestabelecida) com o (as exigências do) mundo circundante.

Observo que existem mais tipos de isolamento consentidos (ou tidos como “normais” tanto quanto o são os engarrafamentos que cobrem o asfalto às 18 horas nas metrópoles), desde aqueles seres mais egoístas que apenas se vêem no espelho (valorizando a própria imagem e interesses) e continuam suas vidas sociamente (formando o desejo da maioria) até quem se isole numa montanha, mosteiro, caverna e são tidos como monges, sábios ou eremitas.

Há, ainda, quem se tranque em um apartamento ou cobertura no centro da cidade, expondo-se minimamente ao convívio em sociedade, por sua vez chamado pela massa de louco, excêntrico, bizarro, esdrúxulo, esquisito, estapafúrdio, estrambótico, estranho.

Em meio a esses isolamentos e ausências, há quem prefira a amnésia daquilo que ouve e vê nas festinhas e nos amigos ocultos do escritório, nos casamentos e velórios familiares, nos aniversários comemorados nos botecos, nos chás de fralda, panela, bar ou das cinco com a terceira idade.

Nessas ocasiões, para não descumprir a etiqueta social, tem indivíduo que, (quase) a contragosto, usar o kit social composto por sorriso amarelo e olhar fixo num ponto de fuga. Aquela pessoa que sempre balança a cabeça afirmativamente e depois de meia ou uma hora de vida social corre para casa e se afunda em 48 DVDs alugados ou nos 358 relatórios que levou para “finalizar” no fim de semana.

Cada qual se alheando como bem queira. Uns fingem enquanto outros fofocam que mal educado mesmo é quem não vai aos eventos recheados de expectativas performáticas, poupando todos da sua presença constrangedora (ou irônica?) e diz a (temida) verdade de não ter ido por que simplesmente não desejava ou não lhe interessava.

Porém, abacaxi mesmo, não o verdadeiro – o fruto (abacaxi-branco, aberas, ananá, ananás, ananaseiro, nanaseiro, naná, nanás, pita), é ter que conviver com gente maçante, desagradável e que se acha detentor da coroa real, nesse caso a espinhosa “sabedoria” das relações sociais.

Manja aquele pessoal padrão classe média que se levanta e rotineiramente bate a continência dos três artificiais beijinhos no rosto, do abraço que não abraça, do aperto de mão frouxo, dos talheres paralelos ao final das refeições e do guardanapo dobrado sobre as pernas? Uma gente bege. Politicamente (aparentemente) correta. Sem sentimentos ou pensamentos contrariantes, conflitantes.

Assim, entre ausências, amnésias, “autismos” e abacaxis vem se conformando a vida em sociedade no século XXI. E, eu estou perdendo o bonde das ditas “boas relações” que tão mal têm me feito.

Venho me descobrindo muito bem comigo mesma (obrigada!) sem a proximidade (perversa) com “gentes” que são máquinas registradoras. Estou muito bem sem relações forjadas ou obrigatórias, sem a rotina permeada pelas velhas etiquetas reformatórias de se fazer assim ou assado por que alguém está vendo. Mas ainda tenho que me fazer entender (muitas vezes estabanada) para ter paz, pois há menos respeito às diferenças do que cobrança e imposição.

Sei que...

Estou preferindo cada vez mais meus papéis coloridos, furadores com várias facas e carimbos de estrelinhas.
Estou preferindo cada vez mais meu teclado, monitor e impressora para ouvirem minhas impressões do mundo.

Estou preferindo cada vez mais meu ventilador, minha cadeira vermelha e minhas estantes de livros reveladores, instigantes, curiosos.

Estou preferindo cada vez mais ficar acompanhada de Big Brother Brasil, da novela Viver a Vida e do Fantástico nos domingos chuvosos.

Estou preferindo cada vez mais o sexo casual, com um, com dois, com três prazeres consensuais.

Estou preferindo cada vez mais chocolate quente, vinho tinto e pizza de aspargos e shitake acompanhada de um bom papo presencial ou virtual, mas tendo a afinidade como requisito obrigatório.

Estou preferindo cada vez mais salas de aula semanalmente e as pessoas (escolhidas) que tiram o melhor de mim (ainda que sejam poucas).

Estou preferindo cada vez mais as exposições de artes, as palestras com escritores e os programas fora do circuito comercial.

Estou preferindo cada vez mais dialogar sobre aborto, eutanásia, ateísmo, homossexualidade, ética, suicídio, moralidade, jogos de azar, drogas, inferno, censura, pobreza e outros temas que sucumbem diariamente ao preconceito e à superficialidade da ignorância, que reina mais ácida do que passiva, a comentar sobre vestidos e carros, quilos e plásticas, carnês e eletrodomésticos.

Por fim, recolho-me ao meu autismo socialmente voluntário até que algo interessante, para ambos, surja por aqui ou aí. Por enquanto, estou escolhendo (relacionando-me com muitos) à vida em A4 e já ciente do seu comentário.

Eu, acompanhada

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