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quarta-feira, 13 de abril de 2011

A senha de Realengo


Por Solange Pereira Pinto


O massacre, a chacina, a tragédia, o horror ou qualquer outro substantivo repulsivo que se queira usar deu ao brasileiro, nesta semana, uma satisfação incrível: indignar-se contra tudo e todos! “Olha aí meu bem, prudência e dinheiro no bolso, canja de galinha não faz mal a ninguém*”.

Mais do que copa do mundo e final de campeonato, apuração de carnaval ou reta final de eleições, o caso da Escola Municipal Tasso da Silveira, ocorrido no dia 7/4, em Realengo (zona oeste do Rio de Janeiro), trouxe ao país um sentimento de união e opinião. “Cuidado prá não cair da bicicleta, cuidado prá não esquecer o guarda-chuva. Conversa, bitoca, espera, passa o rodo para melhorar e chama prá dançar”.

Era a vez de repassar as mazelas do país, com muita ênfase e comoção. Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, assassino-suicida de 12 jovens estudantes e outros feridos, protagonizou o enredo que trouxe à tona tudo e qualquer coisa que estivesse debaixo do tapete e por baixo da vista grossa de cada um de nós. “Engenho de Dentro, quem não saltar agora só em Realengo. Engenho de Dentro, quem não dançar agora só no próximo baile em Realengo”.

Bullying, desigualdade social, violência, individualismo, fanatismo, fundamentalismo religioso, importância da família, facilidade de entrada em ambientes coletivos, insegurança escolar, videogames violentos, desarmamento da população, os papel das redes sociais virtuais, pânico social, tratamento dado a  crianças e adolescentes, sensacionalismo e espetáculo midiático, revitimização, competição desmedida, capitalismo selvagem, abusos, sucateamento do ensino, doenças mentais foram alguns dos aspectos comentados por aqui e ali. Momento luminoso, carinho, sensualidade, luxúria, fantasia, sonho, felicidade, você encontra na minha cidade. Você encontra nesta cidade”.

As explicações variadas vieram na tentativa de encontrar causas e culpados para o crime chocante da vez, que, paradoxalmente, abafa quaisquer outras misérias e descasos que acontecem ao mesmo tempo em que os traz ao foco pela via indireta. Foi assim que o assunto inédito no Brasil tomou conta do almoço, da carona, do café, do trabalho, do boteco num mexe e remexe incessante e, talvez, inócuo. Sonhando o dólar caiu, cruzeiro subiu. Numa boa! Tirei a escada e beijei Davidowa. Ela continua oferecida e sorridente. Chega sempre atrasada, mas me deixa contente... Olha aí! Ela quer  que eu esfrego. Ela quer que eu sacudo. Ela quer que eu sapeco. O que que ela quer? Ela quer um repeteco. Diz! O que que ela quer? Ela quer um repeteco

Ouvindo e lendo as incontáveis versões sedutoras para justificar a atitude do rapaz atirador, avistei uma catarse coletiva por meio da qual os espectadores purgaram suas paixões, sentimentos de terror, piedade, autorrepressões. E, mais, uma notável quase santidade individual, sem mea-culpa. “Dei bandeira dois prá não dá bandeira. Escuta finge que não vê. Enrola e roda a noite inteira... É tudo, nada é nada, assim filosofou Dom Maia. A cabeça do Olivetto é igual a uma cabeça de negro. Muito QI e TNT do lado esquerdo”.

Aos críticos e analistas da vida alheia, faltou expurgar as próprias mazelas. Reconhecer em si a contribuição para a ocorrência das tais “causas” atribuídas ao evento estarrecedor. Faltou a cada um dos espectadores e mensageiros assumir que faz parte do todo e da mesma cegueira em variadas dimensões. “O tiranossaurus REX mandou avisar que prá acabar com a malandragem tem que prender e comer todos os otários. Olha aí meu bem! Prudência e dinheiro no bolso, canja de galinha não faz mal a ninguém”.

Faltou dizer que crueldade e covardia se alternam conforme o lado em que se está da espada. Essa história em repetição é um oportuno e confortável desvio do olhar de si mesmo para a insanidade do outro. Wellington apontou o cano contra cabeças para mostrar que ninguém é inocente ou puro. Exaltou a condição humana e, também, o sofrimento calado dos invisíveis de toda natureza. Ele deu a senha. E incluiu na pauta brasileira muita munição (uma gama de temas), diuturnamente, disparada e responsável por outras vítimas a cada segundo, que provavelmente será esquecida até a próxima bala perdida em Copacabana. Engenho de Dentro, quem não saltar agora só em Realengo. Engenho de Dentro, quem não dançar agora só no próximo baile em Realengo”.




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*A autora do presente artigo utilizou trechos da música "Engenho de Dentro", de Jorge Ben Jor, no final de cada parágrafo para "ilustrar" as ideias durante o texto. 

Eu, acompanhada

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