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A visualização deste blog fica melhor em computador. Todos os textos (e esboços) postados neste blog são de autoria de Solange Perpin
(Solange Pereira Pinto). Portanto, ao utilizar algum deles cite a fonte. Obrigada!

terça-feira, 8 de março de 2011

Coque




A presilha azulada sustentava o amarelo das madeixas. No topo da cabeça, feito um tronco só, fios dourados se contorciam para domar a inquietude daqueles cabelos tingidos de ardor. Crescente.

A volúpia se alongava a cada entrelaçar com os senões, guardando nas ondulações do sim e não os cheiros. O perfume da terra molhada contrastava-se à secura retorcida dos seus ais noturnos. O tempo engavetado exalava, nas ranhuras que o dorso da cama tatuou, a fúria da fêmea. Retidos, os aromas ameaçavam o oco das curvas do medo. Súbitos. Devidos. Escapariam?

Calada seguia a formar seus feixes. Fachadas. Fechada. Velada. Sem grampos de metal, os tons amadeirados traziam – em coro – o silêncio dos desejos semi-esquecidos; reprimidos. Corava-se. Nos cabelos compridos sua ânsia não podia. Ela não devia. Não. Aprontava-se para o não. Escovava-se para o não. Iluminava-se para o não.

Seu pêlo solto divergia do seu peito duvidoso. Trançava suas angústias em laçarotes de fita negra tão logo raiasse o dia. Chamava e amarrava o não. Passava o momento. Ficava o tormento. Rotineiramente, gastava-se naquele caracol penteando o tempo. Rodeava repetidamente o temor de se perder. E se perdia.

Nas voltas do pente. Em cada dente. No labirinto da serpente. Uma tristeza voraz contente. Um impulso demente. Uma fuga urgente. Uma quentura clemente. Uma clausura consciente.

Amontoados em rodas contínuas retorciam-se os anos juvenis. No alto, o chumaço grampeava a pele lisa, a penugem leve, a firmeza do corpo. Era o cume, imaginava, que apoiava as incertezas das paixões, das ausências, das impossibilidades daquilo que se promete resistir. Sucumbir.

A nuca nua, devassada, exposta, gritante, repuxada servia manhã após manhã como atalho para se chegar onde não se sabe, mas se deseja. Dedilhava, cuidadosamente, suas mechas de saudade. E sentia entre as unhas quebradiças cada fio de memória. E esticava cada cacho de mocidade. E tentava prender, mais uma vez, em círculos a juventude.

O dedo indicador conduzia rapidamente o maço da cabeleira até o centro que lhe guiava. Girava, girava, girava, girava até formar o ninho, que os sonhos escondiam. Nos tufos, sobrava-lhe a retidão.

A mão rebolava compassadamente até chegar à ponta do rabicho freneticamente enrolado. Ela sabia quantas voltas eram esperadas, necessárias. Enclausurado, no rodopio, havia um vestígio de arrependimento. À rebeldia da juba afrontaria, outrora, o couro cabeludo ralo e falho. Não agora, inventava.

Do ápice, deslizou as palmas sobre o véu natural de seu rosto e tateou a rodela tecida em oposição aos olhos. Tentou desprender os nós, retirar as prensas, soltar o manto. Resistiu. Curvou. Intuiu. Ultrapassou a cortina dos ponteiros. Mirou o velho e desgastado portão de entrada do casebre, esticou os olhos sobre a rua de pedra e ajeitou mais uma vez o seu coque. Aquele mesmo que não amanheceria.

Por Solange Pereira Pinto 
em Goiás Velho, 8 de março de 2011.
Dia Internacional da Mulher e Carnaval...

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