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sexta-feira, 6 de julho de 2012

E a certeza me perguntou


à  Miza Vidigal que, desde meu nascimento como mãe, tem me ajudado a matar dúvidas, a Ana Cláudia e ao Manoel Rodrigues  que têm o dom tirar dúvidas cinzentas.


  
quando a dúvida morreu

Por Solange Pereira Pinto
Em 5.7.2012












Quando a senha do banco entrou e a máquina vomitou os extratos dos últimos seis meses, eu tive certeza. O problema é que quando matei uma dúvida, nasceram outras dez. Eu explico.


Foi agora mesmo, quase de repente, que a certeza veio. Também por um triz ela pode ir embora. Sei disso. Estou aqui tentando contê-la entre os dedos, para ela me aconselhar imediatamente. Se você me perguntar se são bons os conselhos que a certeza tem, já não tenho tanta certeza. Mas tento ouvi-la, pois a dúvida-mor já perturbou demais. Sei que a atual é uma certeza escorregadia, igual quando a gente tenta segurar a espuma do mar com as mãos. Enquanto a certeza foge, a dúvida perpetua. Oh, sina!

 Voltando ao assunto. E não é que a primeira pergunta que veio depois da certeza aparecer foi “quando morreu a dúvida”? Isso deve ser sabotagem, só pode!


Em uma situação quase congênita, a dúvida tem me rondado os dias; melhor dizendo, os meses, os anos. Uns 30 talvez. Como um cão pidão, ela não late, nem me larga. No café da manhã, refleti sobre essa entrona de outrora. Vi que não é filha única, não tem uma forma somente, tem duração imprevista e alguns combates possíveis.

Percebi que a dúvida não é ostensiva, feito um guarda de trânsito a sinalizar com apitos e braços abertos. Ela é como poeira em móvel de ipê, quase invisível; marcando as pontas dos dedos de marrom. Ela é assim mesmo, um tanto invasora das digitais. Ontem, ela se fez notar quando peguei o bilhete grudado no monitor da televisão. Ai que dúvida chatinha!

Ela, muitas vezes, chega num envelope do correio; quando abro e vejo que não sei bem o que fazer com aquela notícia. A dúvida já chegou por e-mail, torpedo e telefonema. Até por panfleto no para-brisa a danada me pegou no estacionamento do shopping. Eu era bem mais jovem quando isso ocorreu. Depois disso, aprendi. Eu jogo o folder direto no cesto, para a dúvida não ter chance de entrar comigo no carro. Dúvida quando cola é um saco para tirar.

Tenho notado que ganhei mais dúvidas ultimamente do que na década de 80. Ou foram elas que mudaram de forma e jeito? Será? Temos sempre um tanto igual de dúvidas? Hoje tem uma turma delas aqui batucando o meu peito e desorientando o meu juízo. E, por isso, vou falar dela, fazer fofoca mesmo. Dane-se! Cansei!


A dúvida vem no ar mais seco e também nos dias chuvosos. Na primavera, no verão, no inverno e no outono. Ela não tem estação preferida, ela pode me orbitar em qualquer clima ou tempo, época ou data comemorativa. Em festas de aniversário, principalmente, confesso, ela tem me dado um trabalhão. E, quando insiste demais, me sento com ela no sofá, encaro seu centro, fuzilo e vejo um DVD antigo para relaxar. Opto por ficar comigo, então ela vai embora batendo o pé porta afora e convidando, vez por outra, a culpa para entrar. Ela é terrível; cruel até.

Acho que ela gosta de madrugadas. Pensando bem, da hora do almoço também. Ah, sei lá. Como um sino, a dúvida chega a me ensurdecer nos momentos mais frágeis. E quando ela combina com os hormônios oscilando? Aí é quase doença. Eu até choro. Choro de dor de dúvida.

A dor de dúvida é estranha. Ela pode aparecer na garganta, na cabeça, na coluna. Em uma amiga, ela virou pneumonia. Na outra, torcicolo. Dependendo de onde ela se instala, dói até sangrar. Já tive dúvida que quase me matou do coração, pulsando a quase 120 batimentos por minuto. Foi dúvida maquiada de pânico, tenho quase certeza de que viraria síndrome em pouco tempo.

Lembro-me que, uma desse tamanhão, só foi embora quando radicalizei e chutei o mestrado precipício abaixo. Fui tão corajosa que fiquei olhando a dúvida se espatifando lá longe. Não é que a danada parece ter sete vidas e vez por outra se esconde em um livro ou outro daquele tempo? Afff, dá canseira tirar a dúvida de tudo. Haja faxina!

Recentemente, descobri algumas formas de perceber se ela está por perto. Sabe quando você não consegue levantar da cama em uma rotina lotada? Pode ser ela lhe enfraquecendo para você não matá-la. A dúvida se mantém esbelta quando se alimenta de angústia com calda de sofrimento. Ou quando engole mais uma fatia de baixa auto-estima, daquelas bem magrinhas de autoconfiança.

Há casos em que ela também avisa a chegada, quando nos afastamos cada vez mais do trim-trim-trim do telefone, receando ser a pessoa XYZ. Pode ser ela nos mostrando nossas fantasias e inseguranças mais infantis. A dúvida dá risada quando a gente constrói castelos de ilusão e medos. No pique-pega, atordoa. Ela embaralha o nosso querer sumir com o querer ficar. E, assim, a gente se esconde junto com ela.

Porque a dúvida gosta mesmo é de fazer companhia. Tão egocêntrica que é, quer a gente pensando nela todo o momento.  Dúvida é marrenta. Ela dá um jeito de chegar e dar seu “oi” até no horário político, interrompendo a novela que ajudava a gente a se livrar dela. A dúvida se multiplica feito piolho; não sai da cabeça e coça as ideias deixando as sinapses arrepiadas de tristeza. Se a gente se livra dela em uma decisão, aparecem logo outras tantas. Alguém sabe qual é o remédio que mata dúvidas para sempre?

Agora, problemático é quando a dúvida paralisa. Dizem que uma facção duvidosa se chama dilema, do tipo “se ficar o bicho pega e se correr o bicho come”. Detesto essas dúvidas mais sofisticadas, adultas mesmo. O antídoto que normalmente uso é a amiga ética e a prima lealdade. Elas têm me ajudado a mandar um monte de dúvidas embora. Situação pior vem com a aporia, que impossibilita qualquer conclusão ou resposta. Essa dúvida é de matar a gente. Haja terapia.

Nessa multiplicação moderna de dúvidas e maior escassez de certezas, tenho muita vontade de me mandar para a Terra do Nunca, subir no abacateiro para ver o sol se por e a noite alertar que menos um dia existe. Mas voltar à infância não dá, teria por penalidade um turbilhão de dúvidas por vir. Melhor não.

Ou quem sabe, poderia me mudar para longe das cidades cheias de trânsito, contas, futilidades, consumo exagerado, comparações cruéis, modelos inatingíveis, informações desencontradas, exibições de todo tipo e, assim, deixar para trás esse modelo metrópole que fabrica um monte de dúvidas por segundo, antes mesmo de a gente piscar. O problema é que não sei qual dúvida se acomodaria sorrateira em minha bagagem.

As dúvidas pequenininhas são também ardilosas e intrigantes. Claro que não estou falando daquelas dúvidas bobinhas, que aparecem na sorveteria entre os potes de sabores tão exóticos experimentados quando estamos sozinhos. Nem me refiro àquelas transparentes grudadas nas vitrines de bolsas e sapatos coloridos, que geralmente pulam em nossa frente durante o sobe e desce dos olhos.

Estou falando daquele tipo de dúvida que domina um jantar inteiro, quando titubeamos entre dar ou não o “primeiro beijo” em quem estamos apaixonados e acabamos de convidar para uma saída “sem maiores interesses”.  Obviamente, que esta não chega aos pés daquela “casar ou não casar” e mais longe ainda está da dúvida derradeira “separar ou ficar numa relação emocionalmente insatisfatória”. Essa me pegou por três anos antes mesmo de tentar o “sim”. Uma dúvida para lá de maluca. Pensando bem, o tamanho da dúvida quem dá é cada um, né? A dúvida de um, pode ser a certeza do outro. Tem medida igual não. Esquece.

Como acabar com elas? Acho que cada pessoa tem seus segredos e cria suas armadilhas para despedaçar as dúvidas. Tenho uma amigona que é craque em matar um monte das minhas. Ela me conhece tão bem e faz perguntas tão inteligentes para a dúvida, que ela sai correndo de vergonha e não volta mais. Em compensação, um amigo parece plantador de dúvidas, a gente leva uma e volta com 50; ele devia ser economista. Deixa pra lá.

Já destruí dúvidas com livros, no Google e em manuais. Na terapia me livrei de algumas dúvidas de mim e ganhei outras. Com especialistas, derrubei várias de vários níveis e temas. Perguntando “na lata” também. Revelando-a aos cúmplices dela idem (porque tem gente que gosta implantar dúvida como se fosse um chip nos miolos do outro). Escondida é que ela não pode ficar. Se tem uma coisa que dúvida foge é de plateia e palco. Ela gosta de ficar dentro da cabeça, rodopiando na mente, construindo as paranóias e os absurdos do “se” e “se” e “se”. Dúvida grandiosa, orgulhosa, exposta na mesa do jantar, para todos, é quase assassinato a sangue frio. A dúvida detesta tamanha ousadia.

Aliás, uma acabou de me soprar no ouvido que não me largará até morrer. Essa é maior que o pé de feijão do João. Será? Fiquei com medo dela. Não! Saia daqui agora, está me ouvindo? Não vai me obedecer? Então vamos ver quem ganha essa luta!

Entendi quem você é e agora me desafiou! Vou lhe tornar tão imensa, tão grande, tão gigante, que você ficará tão evidente, mas tão evidente, que será impossível não olhar para você todos os segundos do hoje ao amanhã. Você ficará do meu tamanho e, então, será você ou eu. Você está me deixando uma única saída: matá-la no enfrentamento! Não ouvirei mais os seus “senões” e “porém”.

Tomara que a minha coragem esteja antenada escutando essa conversa e chegue a tempo para agir ou tudo ficará na mesma. Dai, mais uma vez, ouvirei os queridos amigos dizendo: “calma, vai passar... dê tempo ao tempo! Amanhã será outro dia”.  É verdade que algumas dúvidas fracotes morrem quando o sol nasce, mas outras prosseguem pela eternidade quando não olhamos direito para elas. Cansei de alimentá-las de covardia e hipóteses negativas. Levei meia dúzia delas ao papel e materializei sua dimensão. Estou pronta.

Logo após sair do caixa eletrônico, picotei os extratos bancários, fiz confete deles lixeira abaixo, levantei a cabeça, mirei a porta, entrei no carro, rasguei a alma e, sinceramente, perguntei: quantas dúvidas estão na fila? Mande uma a uma, que estou pronta para enterrá-las. “Enquanto houver sol, ainda há de haver saída. Nenhuma idéia vale uma vida”.

Eu, acompanhada

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