Por Solange Pereira Pinto
4/9/2011
Não aprendemos a nos apaixonar pela mente de uma pessoa. Desde cedo nos ensinam a desconfiar de quem se aproxima de nós, a partir das observações de como se vestem, como agem e o que dizem. Infelizmente, nesta cultura, não nos ensinam a enxergar e valorizar o pensamento. Ou seja, o jeito como cada um constrói a sua própria realidade. Com o passar do tempo, isso fará muita diferença. Ainda que a gente mude, tem uma lógica que não se modifica tanto assim. É dela que vem a maneira particular de sentir e agir no mundo.
Dizem também que os sexos opostos não podem se admirar e, por isso, nutrir um grande desejo mutuamente sem as tais “segundas intenções”. E se assim acontece sentimos culpa.
Por vezes, achamo-nos inadequados (julgamos que estamos errados) se chega alguém e toma o peito de ardor e descompasso, quando a mente se ocupa todos os segundos da vontade de ver, rever, ouvir e alimentar ainda mais o feitiço que torna nossos dias tão mais interessantes e cheios de sentido (aquele mesmo que costumamos achar não existir quando a rotina se estabelece no cotidiano).
Não estou falando somente de amizade, sentimento fraterno de bem-querer, simpatia, grande afeição e cumplicidade. Refiro-me a encantamento. Aquele deslumbre raro que sentimos por uns poucos seres humanos. Sabe quando a gente não precisa falar e alguém entende porque pensa igualzinho? Ou simplesmente completa nossas frases com um olhar e um sorriso no canto da boca vem tão cheio de significados que o desejo é devorar o pensamento?
Tem quem nos penetra tão perfeitamente que se torna difícil resistir. É mesmo um feitiço e um poder mágico nos transforma. Começamos a imaginar aonde aquela pessoa se escondia que ainda não estava compartilhando todos os espaços e teorias de vida. A eterna busca e permanência junto aos iguais.
Mas qual é o problema que há nisso? Nenhum se a gente estiver sozinho ou não tiver um parceiro. Socialmente, escreveu-se que no casamento, namoro ou relacionamento dito sério não cabe paixão que não seja entre o casal. Mito que causa dor e sofrimento.
Há pessoas que necessitam de intensidade para viver e que a inteligência é uma capacidade tão admirável quanto um belo físico. E como manter a “fidelidade” psicológica se nem a física estamos dando conta nestes tempos mais que modernos? Não é torturante ter que reprimir o desejo de conhecer uma pessoa interessante se tudo o que mais fazemos na vida é tentar (aprender?) nos relacionar? Estaria o desejo físico, o tesão pelo corpo do outro, no mesmo patamar do desejo intelectual, a excitação pelo pensamento do outro? Podemos de fato ser livres sexualmente e mentalmente?
E o que fazer com os riscos que ameaçam a relação estável já estabelecida com aquele outro nem tão parecido assim? Nas diversas etapas da vida, cujos desejos se diferem e são típicos também da idade (ainda bem!), temos medo de romper os pactos de fidelidade, mas quais são eles? Sabemos que há casos em que a atração física leva ao envolvimento emocional e vice-versa. Há outros em que a admiração intelectual leva ao envolvimento físico e/ou emocional. Penso que são dimensões diferentes e raramente teremos (ou seremos) um companheiro que supra todas. Assim como nem sempre conseguiremos conter o que nos move nesta vida.
Há momentos e pessoas que nos fazem querer engolir a alma. Pergunto-me por que evitar se isso é tão humano e raro? No meu caso, o tesão passa bem mais rápido do que minha veneração pelos talentos do intelecto e da arte. E sei que cada caso é um caso, porém até hoje encontrei em meu caminho poucas pessoas dignas de reverência, a maior parte está nos livros, mas duas ou três ainda posso conversar ao vivo; e devorá-las com minha paixão. Viver as relações derivadas de tantos outros propósitos é muito bom, mas não há pacto que me afaste dos encontros com os iguais, pois isso me afastaria de mim. Não mais após os 40 anos de vida.
Diz um mito que o poderoso Zeus (o deus supremo do mundo) engoliu viva sua primeira esposa Métis (deusa da astúcia e inteligência), grávida de Athena (deusa da sabedoria – logos – e da justiça), quando soube pelo oráculo (Gaia) que se tivesse uma filha, ela se tornaria ainda mais poderosa do que ele. Assim, para impedir o nascimento de Athena (que acabou por ser gerada na cabeça do soberano do Olimpo) ele engoliu Métis, que tentou escapar dele, mudando de forma várias vezes, mas acabou engravidando. Findo o período de gestação, o supremo deus começou a sentir terríveis dores de cabeça (pois enquanto a justiça não nasce, elas são inevitáveis). Desesperado e no limite, Zeus ordenou ao ferreiro divino Hefestos (Vulcano) que lhe abrisse a cabeça com um machado de ouro para tirar a deusa Palas Athena (imagem) Palas significa “a donzela”, para se manter sempre virgem e impor a autoridade de quem não se deixa seduzir ou corromper.