Aviso importante:

A visualização deste blog fica melhor em computador. Todos os textos (e esboços) postados neste blog são de autoria de Solange Perpin
(Solange Pereira Pinto). Portanto, ao utilizar algum deles cite a fonte. Obrigada!

sábado, 6 de dezembro de 2008

o melhor e o pior de mim...









Cada um desperta a SOLANGE que merece. Então, já sabe qual será a sua?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Da pré-história à pós-modernidade: os hífens do caminho


Um dia urbe de mulher
No seu turbinado conversível, fêmea-de-37-anos sai de casa para mais um dia de mulher independente. Agenda anotada e atividades para todos os segundos do calendário lotado nos próximos seis anos. Incluindo a data do casamento com o homem que irá conhecer e lhe pedir em casamento, os preparativos para o batizado dos dois filhos que irá conceber, um garotão macho e uma linda meninha, e... mais... muito mais... Já são quase nove da manhã.

A mulher-iniciada vence o tráfego com humor instável e dá uma passada na academia para deletar os brigadeiros da festa do afilhado e o vinho da despedida de solteira da amiga de 35 anos. Por duas horas faz planos imaginários que levantam a bunda, endurecem peitinhos, ajeitam a barriga, torneiam coxas, e assim conseguir brevemente se casar para crescer a barriga, amolecer os seios, correr atrás do bebê e sentar no chão para brincar de tatibitate.


No horário do almoço, eufórica-tarja-preta engole um saladinha de alfafa e outros vegetais descobertos quando a vida ainda era apenas agricultável. Mira as vitrines e investe o salário todo em prestações adquirindo umas roupinhas para um fim-de-semana-na-moda. Bola um visu feito maquiagem dos pés à cabeça. Trabalha até meio da noite e vai pra casa arquitetar a sexta, o sábado e o domingo.


Enquanto isso, fêmea-hormonal pinta as unhas e esquenta algo no microondas. Um chá verde e mais umas três ou quatro coisas da ordem boa forma propagandeada na TV e revistas de celebridades.


Pronta a ser caçada (melhor dizer caçar), mulher-enturmada passa na casa dos amigos para uma jogadinha embalada em absinto, som eletrônico e umas doses de atualização sobre quem-está-com-quem-e-quem-ainda-está-só-no-melhor-estilo-lattes-amoroso (naquele em que se verifica a performance das quantidades).


Eis que surge o homem-45-divorciado-ombros-largos. Apertos de mãos e olhares cruzados ela marca um almoço sabático.



Os lábios gesticulam: qual foi o último filme que você viu? Ela emenda, quando era pequena gostava de caçar coelhos. Ele devolve, fiz um projeto de engenharia para o metrô no ano passado. Ela assente, a firma de advocacia WYWQ quer me contratar. Eu adoro beijar, repetem juntos.



Splashssssssssss de ida e volta. Mãos nas contramãos. Flashes na memória. Ela vê para cima. Ele olha para baixo. Melhor tentar... Será que ele vai me pedir em casamento? Suspira silenciosa. Será que ela transa bem? Sorri atencioso.





No motel das vinte-e-duas-tardes-executivas ele abre o champanhe. Ela vibra e vibra nele. Ele vibra e vidra nela. A noite (se) passa.

Num átimo de retirada do preservativo ele volta para a ex-namorada de cinco anos. No ensaio de uma mecha por detrás da orelha esquerda, ela volta para casa e espera o telefone tocar o domingo inteiro. Repinta as unhas ao som do Tunai... "você caiu do céu/um anjo lindo que apareceu/com olhos de cristal/me enfeitiçou/eu nunca vi nada igual".

A segunda nasce. Mulher-carente-desolada apronta o visual super-independente-bem-resolvida e marca outra sessão no psicanalista. Espreme a espinha que surgiu no meio da testa. Come cinco barras de chocolate com menta. Comenta com as amigas também. Acaba a bateria do celular.


Entra no turbinado. Agenda anotada e atividades para todos os segundos do calendário lotado nos próximos seis anos. Incluindo a data do casamento com o homem que irá conhecer e lhe pedir em casamento, os preparativos para o batizado dos dois filhos que irá conceber, um garotão macho e uma linda meninha, e... mais... muito mais... Já são quase nove da manhã. Ela vai.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Brasília seca



Primavera seca se troca a cena
Brasília floresce em Flamboyants

O chão se enfeita de vermelho-carmim 
tal o barro que encombre os parabrisas. 


O céu se pinta e a gente contempla
vem o frio alaranjado que a narina respira

A Natureza que se modifica, 
ora queima, ora inebria.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os scraps para amanhã - bom dia futuro!



em 04.11.2008
Por Solange Pereira Pinto



Essa coisa de blog programado é massa! Estou aqui em 4 de novembro escrevendo para o futuro. Pensando em quando lançar este texto, se para 12 de novembro (próxima data imediatamente vaga) ou para o dia 14 de novembro, data do meu aniversário.

Pensando melhor, vou me presentear com um texto. Este texto imaterial, formado de bits e bites vai se materializar no meu blog como explosão de letras com hora marcada.

Estarei distraída pensando no amanhã ou agindo no hoje mesmo que será daqui 10 dias, quando ele – Os scraps para amanhã – surgir publicado, exatamente à meia-noite.

Escrever é uma arte como qualquer outra e precisa de necessidade ou desejo. Escrever para quê se não for por desejar dizer ou precisar? Foi assim que vim até esta folha em branco, virtualmente posicionada pelos pixels, para meter os dedos em teclas e ver sinais gráficos, vogais, consoantes, vírgulas e acentos se organizarem na tentativa de materialidade do meu pensamento.

Um desejo de falar da minha surpresa em ler, hoje, o que eu programei na semana passada para o blogue ser minimamente atualizado (salve a tecnologia que agora nos permite publicar ainda mais à distância). Uma possibilidade tal qual um seriado de TV imperdível gravado pelo videocassete quando temos que ir ao aniversário da tia-avó (diga-se, que você nunca encontra e nem fazia questão).

Ler um blogue é como acompanhar um seriado. Fazer um blogue é produzir uma série de scraps seguindo um roteiro editorial que você definiu ao criar seu diário internético (haha).

No meu caso, um programinha de variedades chulo, sem qualquer destaque, genialidade ou atrativo de massas ávidas. Um bloguezinho auto-estima elevada para eu meter o que der na teia, na minha – claro.

E, cá estou, compartilhando com o google (e algum eventual leitor) a minha descoberta: a satisfação de não lembrar de um texto que eu publiquei mesmo sem vê-lo publicado e ler o meu blogue como se estivesse lendo um blogue de um estranho. Quase não reconhecendo os atos das minhas próprias mãos. Feito uma amnésia existencial, que força a recordar: por que escolhi este scrap naquele dia?

Mundo surprendentemente estranho e divertido esse da vida virtual. Bom dia amanhã!




...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Vidas que não coagulam


(Por Solange, em 30.10.2008)




“Ser brasileiro é ser multicultural”, define o músico Ivan Lins em certo trecho do documentário “Três irmãos de sangue” (2006), com roteiro e direção de Ângela Patrícia Reiniger.

Lançado para homenagear o sociólogo Betinho (1935-1997), após dez anos de sua morte, o filme entrelaça a vida dele com as de seus irmãos Henfil (1944-1988) e Chico Mário (1948-1988). Todos vitimados pela AIDS a partir de transfusões de sangue.

Alternando cenas de arquivo pessoal, da mídia televisiva e de depoimentos emocionados, a película documenta de fato o que é “viver com a dor constante”. Não somente àquela das restrições e dos cuidados incumbidos aos hemofílicos, condição hereditária irreversível, mas também àquela outra nascida na alma (também condição hereditária irreversível?). Constante.

Um incômodo tal que moveu – de fato – esses mineiros (de Bocaiúva) filhos de dona Maria da Conceição a “sonhar até o infinito”. Menos que isso era pouco, sabiam. A mãe permanentemente indignada com a injustiça social foi o exemplo. Tirar da terra a força da ação, era a mensagem para o sentido de existir. A origem. O nascimento. “Transformar o lamento da vida em apoteose”. Fizeram.

“Respirar é um encontro com o ar”, metáfora para representar a necessidade vital de se buscar liberdade a cada enchida de pulmões. Voar para o essencial, uma vez que o sangue que lhes corria nas veias tinha urgência. Na fluidez constante, sem coagular. Sem tempo para a inércia tal como aqueles que têm sangue parado.

Qual a água que não se represa, eles não se continham neles mesmos. “Solidão e solidariedade”, sentimentos que escorriam constantemente nos veios de Henfil, pai do slogan “diretas já”. Combate à fome e à miséria, uma campanha pela vida, dueto perseguido por Betinho, indicado ao prêmio Nobel da paz. Denunciar a tortura e não calar jamais eram as claves de Chico de Mário e de seu violão em acorde.

Um ativista político, um artista cartunista, um músico independente que se complementavam como terra, água e ar. Viveriam assim até a última gota, ainda que de sangue. Ou utopia.

Castores que construíram diques que não usufruiriam. Chico Mário, Henfil e Betinho eram três irmãos de sangue. Intensos. Sanguíneos. Autoconfiantes. Incontidos. Viveram na urgência da vida que não coagula. Exilados do conformismo. Graúnas da abertura, dos novos tempos. Enfrentaram o medo de ter medo. A revolta dos palhaços, eles fizeram. Individualmente agiram pela coletividade. Na urgência de uma insatisfação constante não se coagularam como gente.

“Eram três irmãos embriagados de utopia, no sentido forte dessa palavra, não apenas como um sonho, mas como um projeto que os engajou numa militância permanente”, analisou Frei Betto no início do filme.

Participando de circuitos oficiais e alternativos, o premiado documentário – patrocinado pela Petrobrás – foi considerado, por votação popular, melhor filme no V Cinefest Petrobrás (Festival de Cinema Brasileiro de Nova Iorque 2007). Ganhou também o prêmio de melhor roteiro no Festival de Goiânia de 2006 e no Recine 2007, além da menção honrosa no Femina Fest 2008, tendo sido o único representante brasileiro na competição internacional de longas.

Oxalá! Vida longa para o longa que mostra vidas que não coagulam porque vivem na urgência do tempo de quem tem consciência e luta pela dignidade; de si e dos outros irmãos, ainda que não sejam de sangue...

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Saiba mais sobre o documentário em: http://www.3irmaosdesangue.com.br/

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A morte que revela a morte

(22.10.2008)



Namoravam há três anos. Num tumulto de idas e vindas. Mais de dez, diziam. Ela ainda com 15 e ele já com 22. Os cabelos negros da menina contornavam-lhe a pele morena. Os lábios carnudos e a covinha no queixo emolduravam o sorriso estampado. O rapaz enlouquecia. Moravam no ABC, em Santo André. A última briga do casal, parecia definitiva. Um amigo a mais no orkut dela havia levantado sua ira. Não se conformava. Ela era dele.

Foi numa segunda-feira de outubro, 13, que a turminha se reuniu para fazer um trabalho de geografia da escola. Na casa de Eloá Cristina estava sua melhor amiga, Nayara, Vitor e mais um colega de classe. Batia um frio paulista e caia a garoa. Tempo bom pra um chocolate quente ou batida de morango, quem sabe.

A tarde começava. No segundo andar do conjunto habitacional da Rua dos Dominicanos, a moçada estudava. Até que Lindemberg Alves, sem ser convidado, chega com o coração em pedaços. Inconsolado. Indignado. Obstinado. Arma 32 no punho. Um saquinho de munição a tiracolo. Às 13h30min, Orgulho ferido. Macheza a pino. Esbraveja para moça: “isso não ficará assim”. Não suportava o fim do namoro. Estava uma pilha de nervos. Logo de chegada, estapeou os garotos com ciúme doente. Deu um tiro no modem e matou o PC.

A noite aproxima. Eloá não acreditava no que via. Melhor, lembrava de quantas vezes apanhara do namorado e do quanto ele era possessivo. Não agüentava mais viver assim. Não abriria mão do rompimento. Lindemberg ameaçava. O grupo estava rendido. Todos assustados. Os meninos passaram mal e foram libertados. Ela não. Seriam reféns do amor enlouquecido.

Os celulares tocavam. Os pais buscavam notícias. Os vizinhos queriam detalhes. A polícia foi chamada. Estava erguido o espetáculo. A periferia de Santo André era palco do noticiário. Pela primeira vez Lindemberg e Eloá na TV. Era show. Ao vivo. Pela janela do apartamento se movia o filme parecido com seqüestro. O anjo bom e o anjo mau assopravam o ouvido do rapaz. Nayara testemunhava. O tempo passava. Outro dia nasce.

Um tiro descortina rua afora. Havia mirado o policial. Ele erra. E sorri. E se acha herói em cadeia nacional. 28 horas. O moço vira plantão do Jornal Nacional. Seu nome ganha a voz da Fátima Bernardes. Ele vibra. Enaltece sua importância. Ao mesmo tempo destempera. Oscila. Não tinha planos definidos. Não sabia o que fazer. Queria Eloá para sempre. Queria domá-la. 30 horas. Queria controlar. Queria não sentir. Queria se anestesiar. Abre a porta do apartamento e manda Nayara correr e fala “não olhe para trás”. 33 horas. Ela obedece num fôlego só.

40 horas. Sofrendo pede um beijo. Ela nega. Ele força. Ela rejeita. Ele bate. Três dias se completam. Ninguém cede. A multidão se avoluma perto do prédio para acompanhar o folhetim. Ávidas por mais uma cena, as filmadoras se projetam em direção ao terceiro andar. Voyeurs a postos. 44 horas. Registram apenas cimento e vultos esparsos do casal em negociação.

A família exilada à força tenta contato. Seu Aldo Pimentel, o pai da garota, quer voltar para casa. Pede ao ex-namorado da filha que recue. 50 horas. Não consegue. Lindemberg não negocia. 55 horas. Não quer nada em troca. Não abre mão. Profetiza: “se Eloá não é minha não será de mais ninguém”.

60 horas. Em alerta, os policiais barganham. 68 horas. Nayara volta para a casa da amiga. Prefere o cativeiro a ficar longe de Eloá sem ter notícias. Acalenta. Os jornais vendem em disparada. A história se avoluma nos salões. Nos parques. Nos escritórios. Nos restaurantes. No metrô. Na grande São Paulo. No Brasil inteiro. O enredo toma ares de horário nobre. Trama de Janete Clair. 72 horas.

Sob a mira do revolver elas não podiam dormir. 80 horas. Amarradas com camisetas e fita adesiva velavam o sono do rapaz amador. Já era quinta-feira. O cansaço abatia todos. 85 horas. Menos a paixão insensata de Lindemberg. Essa esquentava. 90 horas. A mensagem de Felipe para Eloá o havia tirado ainda mais da razão. Era insuportável pensar nela com outro. Isso não. Jamais!

Um estampido. Outro. Mais um. 100 horas. A porta cai sobre a barricada. Os homens invadem a saleta. O paraibano de Patos sonhava com o casamento. Não bebia. Não fumava. Era trabalhador. A família enaltecia. Como podia agora estar medido com isso? Essa coisa de amor armado...

A face de Nayara avermelhava em sangue. A cabeça de Eloá pendia sobre o sofá em tons mostarda. A almofada escorava-lhe o queixo. O colchão sobre o tapete central embolava os lençóis de noites mal vividas. Os restos de comida registravam 100 horas de solidão. O retrato da saída era do Lindemberg trancado em si mesmo.

A mãe chora. A outra chora. A irmã dele sofre. A mãe chora. O outro chora. O irmão dela sofre. A televisão foca. A platéia arregala. Uns choram. O pai passa mal. O Samu salva. Lá vai seu Aldo para o hospital. Inconsolado. Pobre homem. Vítima de uma bala fincada no cérebro da filha. Ele não agüenta. A mãe se ergue forte e mostra a cara na TV. Ele não.

Mas o inesperado acontece. Seu Aldo, pai da menina morta por ciúmes, vira manchete nacional. Seu nome verdadeiro Everaldo Pereira dos Santos. Procurado pela polícia. Ficha corrida longa. Fugitivo de Maceió. Homem da gangue fardada. Pistoleiro. Assassino do delegado. Não vai ao velório. Não vai ao enterro.


Lindemberg ouve a notícia na prisão. Lembra de João de Santo Cristo. Não acreditava na história que ele via na TV. E o repórter anuncia: “Nayara pede aos médicos a visita de Pato, o Alexandre”. O jogador do Milan se comove e manda a camisa autografada.


O orkut estoura de scraps. A filha de seu Ronaldo pede uma bicicleta ao avô de Natal. Fernanda manda um conto para Marçal. Solange começa a escrever um conto com o título “a morte que revela a morte”. 172 horas. Ele nega. O assassinato, ele nega. A morte dela, a ele revela. Lindemberg chora. A mãe vela. Procura-se...

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A princesa do lado de lá



Coqueiro mirrado. Ao vento. Menina encabulada. Ao relengo. Descia o pó de guaraná com açaí pela goela da classe média. Ela media. Leonardo enfiava gol na marca. Ela sorria. Vanice contava novamente as moedas e as balas de goma. Assuntava a escuridão que baixava pela linha ao longe. Pensava na volta sacolejada e arenosa. Arrepiava. O bolo de milho revirava. Sabia. Passava das quatro. A caixa meia boca. Os pés não socorreriam metade acima. Bocejava as costelas magras. A noite vinha e ainda a aula de matemática. O pensamento afundou. A loirinha apressada lhe jogou água. Arregalou-se novamente. Caminhou um poste a mais. Abanou um sorriso fugido. Mariana comprou três chicletes. Deixou o troco. "Pamonhaaa quentinhaaaaaaa". Gritava alguém. Espirrava o tédio. João Maluco dizia que gritar fazia bem à alma. Ela se envergonhava. Era de verbo curto. Gastava mais palavras quando orava. Ainda assim, pra dentro. Havia completado catorze dois dias antes. Ganhou um terço de prata. Contava a reza pra sair daquela vida. Era ali na princesinha avistada do morro que se perdia de medo. Do lado de lá, tinha rajada. Até assombração. Mas a menina calada, sabia. Na filha de Zé Girino não se mexe. Não bolina, nem desrespeita não. Faltavam seis postes até a parada de ônibus. "Sanduícheeeee naturaaaaal". Atum. Salada. Salpicão. Mirou o letreiro. Era Engenho de Dentro. O gringo chamou e meteu a nota. A canela titubeou. Num solavanco caiu de beiço. O tiro passou fino. As jujubas se espalharam. Afastou o cacho do olho esquerdo. Avistou o inglês. Lembrou-se de quem era. Estava grávida.



(DF, 21.10.2008)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O pinhel



Eu que nunca aprendi a escrever...
mas aprendi a brincar de...
não soube até hoje se...


Brasília, 2 de outubro de 2008, mês das crianças
Por Solange Pereira Pinto




Quando eu era criança minha mãe brincava comigo de uma brincadeira que a mãe dela brincava com sua avó. Uma diversão passada pelas gerações, o "pinhel".


Uma brincadeira "brincada" com as mãos. Uma pilha de mãos dançando ao ar até desabar em cócegas na barriga de alguém. Normalmente, desempilhava na minha ou na do meu irmão menor.

Eu, com meus dedinhos pequeninos, beslicava a pele da mão de minha mãe em formato de concha, e o meu irmão beliscava a minha e íamos nos revezando em mãos até não sobrar qualquer uma solta. Depois das mãos apoiadas umas sobre as outras, fazíamos um movimento vertical, suspendendo e abaixando, repetindo a cada deslocamento a palavra "pinhel".


Assim se dava o "pinhel-pinhel-pinhel-pinhel-brululululu". O brululululuuuuu acontecia no desabamento das mãos até as costelas mais próximas. Difícil até de descrever essa lúdica brincadeira de toques e intimidade.


O tempo passou e o pinhel ficou. Pra trás. Ficou, também, na mente, na pele, no gesto, no gosto, na saudade... Na memória do corpo e da infância.


Há alguns meses, três décadas depois, eu relembrei dele e resolvi brincar com minha filhota de sete anos. Nem é preciso dizer o quanto ela adorou a brincadeira cosquenta.

No vaivém das mãozinhas e das pupilas, ela ri até desabar os dentes de alegria e a barriga a tremer de satisfação "pinhelenta".


Os olhinhos, fixados nos outros e procurando por vezes os dedos em pinça, podem se remexer em gargalhadas no segundo seguinte a uma piscadela. E a gente se diverte. E a gente se repete em pinhels (?).

No mesmo instante em que as mãos se desmancham em cutucadas risadas elas correm para se amontoar novamente e, assim, recomeçar a dança, que tem por graça o inesperado da fuga da mão adulta a procurar um lugar cheio de cosquinhas na criança.


Pinhel é assim: movimento e alegria. Quase uma cor que salta da barriga.


Só que...

O tempo gira. O cata-vento roda. A aurora surge e a gente não sabe de nada!


Nadica!


Até que...


A dúvida faz coceira dentro da cabeça e a gente fica doido de querer saber.


Foi assim...


Eu nunca tinha precisado escrever (como outras tantas devem ter) a palavra "pinhel" ou seria "pinheu"? Quem sabe "pinhéu"? Apenas passei anos e anos da minha vida "falando" pinhel. Sentindo o "pinhéu". Gargalhando com o "pinheu". E tudo bem. E eu ria. E não caiu no vestibular.
Como o que se vive não cai no vestibular e nem entra no currículo, é bobagem decerto. Ninguém precisou ensinar. Nem ninguém precisou saber escrever, afinal.

Até que, revirando um site de brinquedos de papel (sou uma eterna criança), dou de cara com uma palavra escrita que me faz relembrar a infância: "pin wheel" (traduzindo toscamente "pino roda"). Eu pensei: "céus é o meu pinhel!" Correndo, lá fui catar meu riso alto! Mas não era o meu pinhel! Ops, pin wheel (falado"pin-huiu").

A ignorância remexeu os dedos no teclado e fui ao dicionário inglês-português e achei o coladinho "pinwheel" (cata-vento e similares).

O vento não parou e a curiosidade aumentou. Como se escreve o MEU pinhel?

Pedi clemência ao Houaiss dei de cara com o regionalismo "douro", que é o mesmo que "caruma", que significa folha, quantidade, que por fim é igual a folha de pinheiro.


Uau! Pinhel vem de pinheiro! Que lembra o Natal (estrangeiro, mas tudo bem)! Que me lembra luzes saltitantes... que por fim me trazem presentes! Fiquei extasiada feito criança que junta sílabas e lê a palavra. Le-gal! Pi-nhel!


Ainda não era o pinhel da gargalhada! Continuei procurando um pouco mais, na santa internet e seus hipertextos, achei a Pinhel (foto) de Portugal. Agora com a mesma pronúncia do meu pinhel. Mais próxima e com castelo para contar histórias. Cujo nome "Pinhel", é claro, deriva da grande quantidade de pinheiros existentes por lá.


E nada de encontrar o pinhel de mãos!


Sem verbete para o meu, de pinhéu a pin wheel, pinwheel, até Pinhel rodei como um pinhel. Cata-ventei até subir às torres do castelo de mãos e achei o que estava escondido de mim: o renascimento da palavra carregada de significados emotivos, sensoriais, afetivos, melódicos.


O pinhel falado ganhou sua roupa de letrinhas. Ganhou primos. Ganhou ascendentes. Ganhou, agora, no meu papel a forma de PINHEL. Assim maiúsculo. Gritando sua importância.


Agora sim, ele existe na forma escrita e eu o batizei em grafema. O pinhel falado... que eu não aprendi a escrever... mas aprendi a brincar... o pinhel bolinado... que não sei de onde vem... o pinhel dos contos de réis e não de reis... o pinhel popular... da tradição oral... o pinhel feito de pinheiro de mãos que balançam ao vento até o topo chegar no chão para cutucar as costelas de quem ainda não aprendeu a ler e já sabe brincar... de falar... "pinhel-pinhel-pinhel-pinhel-brululululu".


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Origem das fotos usadas nesta postagem: 1) blog.craftzine.com
2) visualparadox.com 3) bp0.blogger.com 4) ruimsc.blogspot.com 5) olhares.aeiou.pt

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Deu na Veja, só falta dar no ensino...




Por Solange Pereira Pinto



Para grande parte da população urbana, domingo é dia de igreja, Veja, TV e futebol, não necessariamente nesta ordem. Ontem (21/09/2008), junto às notícias da crise americana, veio na revista uma matéria especial sobre o instigante escritor Machado de Assis que não freqüentou universidade, mas é ícone da nossa literatura.

Sabemos que a Veja é a revista semanal mais lida no Brasil. É falada e comentada, quase como centro do universo, nas escolas do país, principalmente faculdades. É tida como um meio de comunicação para se ler antes de fazer provas de concurso na área de conhecimentos gerais (!?). Ou seja, a Veja é para a maioria dos brasileiros “letrados” a maior fonte de informações.

Então, quando eu li na Veja o texto “Quem entendeu a nova avaliação do ensino?”, pensei: finalmente alguém para falar diretamente dos insumos e outras quantidades absurdas que têm virado moda por aqui. Cláudio Moura e Castro foi no x (certo da questão) e apropriadamente mostrou como índices podem não fazer qualquer sentido, principalmente quando se fala em educação.

Em certa altura ele disse: “finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas”.

Não preciso dizer mais nada... Agora me resta a esperança... Se deu na Veja, ainda que em apenas um artigo (muito bom por sinal), que dê agora também na cabeça dos brasileiros a reflexão: nem todo número informa, esclarece ou representa de fato a realidade. Qualidade não é quantidade. Veja abaixo o artigo comentado.










Quem entendeu a nova avaliação do ensino?





"Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa"

Um médico que ficasse sabendo que seu paciente tem 88 batidas cardíacas por minuto, 39 graus de febre e um índice de 380 de colesterol teria os elementos iniciais para fazer um diagnóstico. Imaginemos agora que somássemos esses três índices e mostrássemos apenas o total. Seria um número sem sentido.


É tal espécie de soma que o MEC acaba de fazer, com o seu novo indicador de qualidade dos cursos superiores, o Conceito Preliminar de Avaliação. Ao somar três indicadores, deixa o público igualzinho ao médico do parágrafo acima. Pior, junta conceitos individualmente pouco conhecidos. Como o professor Simon Schwartzman havia partido antes na empreitada de entender essa química, juntei-me a ele na preparação do presente ensaio.


O primeiro número levantado pelo MEC é baseado em prova aplicada a uma amostra de alunos de cada curso. É o Enade (a nova versão do Provão), que mede quanto os alunos sabem ao se formar. É um conceito tão simples e poderoso quanto o resultado de um jogo de futebol. Só que não podemos comparar profissões, como faz o MEC, pois a dificuldade das provas não é a mesma. Se o Grêmio ganhou do Cruzeiro, isso não significa que é melhor do que o Real Madrid que perdeu do Chelsea.


Ademais, o MEC introduziu um complicador. Soma aos resultados da prova aplicada aos formandos a nota dos calouros na mesma prova. Ou seja, premia o curso superior que atrai os melhores alunos (a maioria deles oriunda de escolas médias privadas). Portanto, soma a contribuição do curso superior à do médio. Em uma pesquisa de que participei, 80% do resultado do Provão se devia à qualidade dos alunos aprovados no vestibular. Assim sendo, ele favorece as universidades públicas, pois sendo gratuitas atraem os melhores candidatos.



O segundo ingrediente do teste é o Índice de Diferença de Desempenho (IDD). O Enade mostra quais cursos produzem os melhores alunos. Contudo, um desempenho excelente pode resultar apenas de haver recebido alunos mais bem preparados. Em contraste, o IDD mede a contribuição líquida do curso superior. A idéia é boa. Em termos simplificados, calouros e formandos fazem a mesma prova. Subtraindo das notas dos formandos a nota dos calouros, captura-se o conhecimento que o curso "adicionou" aos alunos. Portanto, mede a capacidade do curso para puxar os alunos para cima, ainda que não consigam atingir níveis altos. É o que faltava na avaliação. Exemplo: na Farmácia temos uma escola com 5 no Enade e 2 no IDD. Temos outra com 2 no Enade e 5 no IDD. Embora a média seja a mesma, esconde mundos diferentes. A primeira forma os melhores profissionais, porque recruta bem, mas ensina pouco. A segunda produz alunos medíocres, mas oferece muito a eles. Cada indicador tem seu uso.


Finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros. Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons. Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa - exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa. A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem - a não ser aos especialistas.


Mas há outras tolices. Um curso de filosofia em que todos os professores são doutores em tempo integral pode ser ótimo. Mas seria medíocre um curso de engenharia, arquitetura ou direito em que isso acontecesse, pois as profissões estariam sendo ensinadas por quem não as pratica. Esse curso ganha pontos pelo perfil dos docentes, justamente quando deveria perdê-los. Há outros desacertos técnicos que não cabe aqui comentar. Mas, como dito, a falha mais lastimável é a decisão de somar três indicadores que mal sabemos como interpretar individualmente. Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas nos parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa.


Claudio de Moura Castro é economista (claudio&moura&castro@cmcastro.com.br)

Data: 21/09/2008
Veículo: VEJA
Editoria: SEÇÕES
Assunto principal: ENSINO SUPERIOR MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

sábado, 20 de setembro de 2008

O casulo de nós mesmos



Por Solange Pereira Pinto




O livro “Seda”, de Alessandro Baricco, escrito em 1996, é inexplicavelmente lindo. A alegoria, construída com maestria, nos faz sentir como os bichos da seda a tentar virar mariposas. O texto, tramado como as voltas das mãos de um ilusionista, surpreende. “Uma vez tivera entre os dedos um véu tecido com fio de seda japonesa. Era como ter entre os dedos o nada”.

Narrativa breve. Concisa. Não sobra e nem falta. Encanta. Tal qual a borboleta para nascer, Hervé Joncour, protagonista, segue seu destino com uma naturalidade que pode beirar ao nada. Como o cair de uma tempestade... “Era, além disso, um daqueles homens que amam observar a própria vida, julgando imprópria qualquer ambição de vivê-la”.

Baricco empresta à obra uma composição melodiosa do ritmo da prosa à escolha dos nomes de lugares, das personagens, dos detalhes; aspecto talvez influenciado por sua formação musical.

O recurso da repetição de trechos ampliados e sutilmente modificados dá no leitor a impressão de rotina, de "mundo que gira em torno de si mesmo”, de bicho a se revirar dentro do casulo para confeccionar o fio da seda.

A pacata Lavilledieu, o visionário-idealista Baldabiou, o instigado Hervé Joncour, o misterioso Japão e Hara Kei, e o contraponto feminino de Hélène, a menina dos olhos sem corte oriental, Mme. Blanche fazem as imagens sensoriais de Baricco correrem no sangue do leitor. São pequenos e certeiros picos na veia embriagando, inebriando... até o fim do mundo.

A seda. Os segredos. A sedução. “Esperou longamente, no silêncio, sem mover. Depois, lentamente, retirou o pano molhado dos olhos. Já não havia quase luz, no cômodo. Não havia ninguém, ao redor. Levantou-se, apanhou a túnica que jazia dobrada no chão, colocou-a sobre os ombros, saiu do cômodo, atravessou a casa, chegou diante de sua esteira e se deitou. Pôs-se a observar a chama que tremia, diminuta, na lanterna. E, com cuidado, parou o Tempo, por o todo o tempo que desejou. Foi um nada, depois, abrir a mão e ver aquele papel. Pequeno. Poucos ideogramas desenhados um embaixo do outro. Tinta preta.”

Disse Walter Benjamin que “toda ordem é precisamente uma situação oscilante à beira do precipício”. Lá estava Joncour. Dedilhando a seda. “Tinha atrás de si uma longa estrada de oito mil quilômetros. E diante de si o nada. De repente viu aquilo que julgava invisível. O fim do mundo”.

A rotina caminha, se repete trecho a trecho. Num átimo algo que muda... Para iludir uma rotina que insiste em se repetir... Assim como nós nos insistimos. Uma dor estranha. Tentar sair do casulo de nós mesmos... para chegar ao fim do mundo.





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Brasília, chuva fina sobre o cerrado, 20 de setembro de 2008.



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Sinopse

Na França de 1861, a tranquilidade do jovem Hervé Joncour, comerciante de ovos de bicho-da-seda, é abalada quando uma epidemia assola a criação dos fiadores europeus e o obriga a procurar a preciosa mercadoria no Japão, a milhares de quilômetros de Lavilledieu, onde vivia com a mulher Helène. Começa, então, um novo ciclo em sua vida. Em viagens perigosas, repletas de descobertas e sofrimentos indizíveis, Hervé muda pouco, mas sente fortemente o antagonismo de culturas e a intensa atração pelo desconhecido.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Criminosos educacionais: um genocídio diário

O texto é longo. Sei que a maioria não terá a menor paciência para ler. Fazer o que, né? É isso que escuto diariamente dos alunos que insistem em não ler: o tema é chato, tenho outras prioridades, o livro é grosso, tenho preguiça, me dá sono, não tenho hábito etc. Que reine a ignorância, mas para quem tiver saco lá vai.

Se eu tivesse aqui falando do último suicídio, de uma jovem de 15 anos em Porto Alegre, que vi outro dia no orkut, teria leitores atentos. Ou, se eu narrasse aqui a história do pai que jogou os dois filhos pela janela e depois pulou a janela, um oncologista americano, também. Mas a violência que tentarei descrever é outra. Ela é um pouco mais sutil, se é que há sutileza no que é violento.

Nossa quanta introdução para um assunto! Dois parágrafos! 146 palavras! É final de semestre, e quem é professor de graduação sabe o que isso significa: trabalho, muito trabalho! Chega à hora de dar notas, avaliar alunos, dizer quem vale quanto. Nesse momento me pego no velho conflito que baixa meu travesseiro sempre que tenho que fechar o diário da faculdade.

Sou contra o sistema de ensino que é utilizado no Brasil. Acho decadente. Mas, para um país como o nosso, temos uma educação à altura. Para um país que tem presidente que não estudou formalmente, isso é balela. Ainda não descobri qual é a função da escola e nem se ela é tão necessária assim, do jeito que está.

Eu pensava que a educação, a escola, tinha por objetivo formar pessoas para a vida, para o pensamento crítico, para a cidadania, para a construção de valores éticos, entretanto devo estar enganada. Não é o que se pratica. Mas, vamos ao que interessa.

Mesmo eu tendo feito dois cursos superiores e algumas especializações, acho que o diploma é uma grande mentira. Conheço muito autodidata que deixa PHD no chinelo. Além disso, muito do que aprendi na minha vida não veio pela escola, mas pelo meu interesse, por minha curiosidade, por minha inquietude e vontade de saber. Os livros que mais me marcaram não foram indicados pelos professores que tive em sala de aula. Não faço aqui apologia ao não estudo, mas à valorização dele.

Estudar é muito mais que freqüentar escola chata, com professores despreparados, com coordenadores medíocres. Adquirir habilidades ou conhecimento está vinculado à escola, assim como fazer sexo às conversas entre adolescentes. Aprendemos mesmo é fazendo e não, somente, olhando ou ouvindo sobre.

Quando chega a hora de dizer ao aluno que ele vale zero ou dez, ou todas as notas intermediárias da dezena, vêm à tona os chamados critérios. E, para se formular os requisitos existem mil e uma maneiras. Mas, temos que pensar nas competências e habilidades necessárias, mínimas ou suficientes, a serem aprendidas pelo aluno para que ele seja considerado “aprovado”. Qual é o mínimo?

Falo aqui, por enquanto, de Língua Portuguesa. Num país onde se lê tão pouco, onde se escreve tão mal, o que exigir de nossos alunos? A escola tem em sua grade curricular as disciplinas e os conteúdos importantes para a formação do estudante.

Supõe-se que ao sair do primeiro grau, o indivíduo domine com certa destreza o seu idioma materno. Pressupõe-se, também, que, ao sair do segundo grau, o cidadão não só saiba ler bem, como se expressar adequadamente por escrito e oralmente na língua nacional. Ou seja, ele estará habilitado a escrever dissertações, cartas, e textos variados, bem como ler criticamente, ao pegar seu diploma do secundário.

Essa é a realidade do Brasil? Vejo que não. Os cursos mais baratos, na maioria das faculdades particulares, são Pedagogia e Normal Superior. Os futuros educadores, que formarão nossas crianças, ganharão salários proporcionais aos valores das mensalidades que pagaram durante sua formação acadêmica. Triste realidade. A saída é aumentar o valor da mensalidade da graduação?

Todo início de semestre pergunto aos alunos sobre o que motivou a escolha do curso. Ouço muitas respostas do tipo: “eu queria fazer direito, mas é muito caro. Então, escolhi o Normal”; “gostaria de cursar psicologia, mas só passei para pedagogia”; “escolhi esse curso, pois é o mais barato da faculdade”; “ser professor tem mais mercado de trabalho”; “o curso é mais rápido”. São inúmeras as considerações dos graduandos. Penso que não é só para os cursos que formam professores. Existe uma grande dúvida entre os jovens na hora de escolher uma profissão. Eu também tive.

O que me deixa mais chocada, talvez, é o fato de perceber que, em geral, o aluno (de qualquer curso) está mais preocupado com o diploma do que com a sua real formação intelectual e crítica. Há o mito que, com o simples canudo na mão, as portas do mercado de trabalho se abrirão. Quando sabemos que neste país ainda impera muito o “quem indica” e que diploma por si só não é suficiente.

Outro ponto é que quem está dando aulas em faculdade nem sempre está habilitado ou é competente a fazê-lo. É a velha roda girando. Professores despreparados, indicados, ou com títulos, mas sem o conhecimento e a didática para praticarem bem o ofício. Isso começa lá no maternal. Aquela professora que leva muito jeito com criança, mas que mal sabe escrever três parágrafos com coesão e coerência. Na universidade não é diferente. Já vi doutor que não usa os plurais. Já ouvi palestrante mestre que não tem concordância verbal. Já li texto de coordenador acadêmico que não tem sentido.

O que tudo isso significa? Que o Português é o entrave na vida do brasileiro? Só se for o colonizador, que seria com letra minúscula. Alguém pode sugerir que o nosso idioma é complexo demais. Concordo que seja. Outro dia li um texto que achei interessante, e um trecho dizia “não se ensina língua portuguesa para saber língua portuguesa, mas para desenvolver capacidades de comunicação (ler, escrever e expressar o que se deseja ou o que se pensa) e de representação da realidade imediata, bem como de se relacionar e de se integrar social e culturalmente”.

Então, dá para entender qual é a proposta: comunicar para se relacionar e se integrar socioculturalmente. Contudo, o vestibular está repleto de peguinhas gramaticais, de interpretações enlatadas de textos, de perguntas sobre o emprego do “que”, isso para se entrar em universidades públicas, pois para as particulares nem a redação sei se realmente é corrigida. Desta forma, vamos exigindo que nossos alunos fiquem “decorando” análise sintática ao invés de treinarem sua expressão e leitura crítica. Ou, ainda, empurrando de série em série para evitar a evasão escolar, com o pensamento: é melhor isso do que nada; o que faz certo sentido.

Os chamados analfabetos funcionais (nome tão em moda nos dias atuais) estão por toda parte, médicos, engenheiros, advogados, analistas de sistemas etc. Pessoas ditas “formadas” incapazes de lerem uma notícia de jornal e entender o que se passa no planeta. Eu confesso que meu domínio da língua portuguesa é relativo. Nem sei se um dia chegarei à qualidade de especialista, mas não tenho dúvidas de que sei me comunicar bem e entender o que leio. E, certamente, não foi a partir das enfadonhas aulas de gramática, mas da leitura constante que me habituei desde criança.

Quem lê bem, fala e escreve bem, diz o velho ditado. No entanto, por que não se lê bem neste país? Os livros são caros é uma realidade, porém existem bibliotecas (ainda que poucas em alguns lugares), hoje existe internet, há amigos que compram livros, as possibilidades estão por aí. Acredito que o que falta é valorizar a leitura. O que falta é incentivar a curiosidade, a pesquisa, a autonomia.

Outros dirão, mas, diante da perversa realidade social em que vivemos, não há tempo para ler, tem que se matar o leão para trazer a carne de todo dia. Até quando acreditaremos que o leão estará disponível na selva de pedra, se não houver habilidade para buscá-lo?

Voltemos às salas de aula da infância e da juventude. Professores matando seu leão diário não se preocupam (nem todos é claro) em mostrar que aprender pode ser interessante, divertido, necessário para o desenvolvimento individual e social. Dão suas aulas burocráticas para receberem o salário sofrido e reclamar da profissão. Professor não gosta “ensinar”, aluno não gosta de “aprender”. Como resolver essa equação?

A cada ano milhares de novos professores são lançados no mercado. Muitos deles apenas freqüentaram a faculdade, vários não leram quase nada, outros leram e não entenderam e foram aprovados. Creio que o nível dos diplomados, genericamente, está baixo. Lembrando que o tempo de graduação está diminuindo. Hoje, se “forma” um futuro professor do ensino fundamental em três anos, míseros 36 meses, tempo de um consórcio de carro. Considerando que a base escolar foi caótica, o que esperar desses futuros “educadores”?

O modelo atual da educação superior é baseado no lucro, na quantidade de alunos, na aprovação em massa. Diploma é mero produto de consumo e o conhecimento nem sempre entra nesta embalagem. Pagou levou, se aprendeu não sei. A fila anda. Professor que reprova muito é jubilado e mal visto, deve ser “incompetente”.

Os pontos são tantos que daria para escrever um livro. Todavia, o interesse deste texto não é solucionar os problemas da educação brasileira, nem simplesmente apontar culpados, tão menos depreciar quem luta fazendo sua parte profissional e social. Os responsáveis, por uma educação melhor, de qualidade, estão em todos os lares e âmbitos: escola, professores, alunos, sociedade, governo, família.

Pais que lêem e incentivam os filhos criam leitores em potencial. Mais um clichê que faz sentido. Não se pode responsabilizar o governo (ou falta dele) por todos os fracassos educacionais e tampouco a escola. A obrigação é coletiva. A educação está para além dos bancos escolares, embora seja, em muitos casos (excetuando o autodidatismo que eu apóio, mas a sociedade não), necessário passar por eles. Educar passa pela cultura de um povo, passa pela identidade nacional e sua expressão mais profunda.

Temos que acabar com a mania de culpar o outro e tirar dos próprios ombros o compromisso. O ônus é de todos. A sociedade brasileira está repleta de criminosos educacionais que cometem diariamente um genocídio social e cultural. As crianças estão sendo assassinadas em sua chance de viver melhor. O país está sendo estuprado todos os dias pela ignorância. Há um suicídio generalizado do comprometimento de se formar uma civilização melhor. Há um seqüestro do que é verdadeiramente importante e ético. Até quando?

Se você conseguiu chegar até o final deste texto, provavelmente não é o leitor a quem ele se destinava, visto que são sempre os mesmos que lêem, têm o senso crítico, e clamam pela mudança estrutural. Aqueles que deveriam ler isto aqui, refletir, questionar, duvidar, acham que estão matando um leão por dia e que ver TV é o que resta. Ah, de volta ao começo, estou no final do semestre fechando notas e o diário, que nota eu dou de zero a dez?


Brasília/DF, 21 de junho de 2006.

Solange Pereira Pinto
Cidadã brasileira

Fotografia


Título: Eus difusos, as luzes da cidade
Autora: Solange Pereira Pinto
Técnica: Fotografia
Local: Brasília/DF
Data: 11.03.2008

Homens e mulheres I


Outro dia uma amiga me contou:

- Você nem acredita!
- Diga...
- Sabe a minha amiga kátia?
- Sim, sei.
- Então, ela me apresentou um amigo dela recém separado.
- E...
- E, daí que ela tomou um porre no dia e tive que sair do boteco pra levá-la em casa.
- Hum...
- O problema é que o amigo dela tinha me mandado uma mensagem pelo celular para eu voltar, enquanto eu levei a kátia em casa. E eu voltei.
- Sim, mas o que houve?
- O que houve? o cara ficou puto porque eu voltei pro bar e no final eu não fui pra casa dele. Na verdade, eu voltei para conhecer o pessoal melhor e não pra ficar com ele assim na dura. Entende?
- Sim, menina, eu entendo. Os homens que não entendem isso.
- Pois é...
- Depois reclamam que mulher dá mole demais.
- Pois é, pois é.
- Homemané fica na mão... na mão...


Fonte da imagem aqui

Abaixo o hábito de ler!!

A escola da minha filha tem um programa de leitura chamado ciranda do livro. O objetivo é que cada criança pegue uma obra para ler no fim de semana e faça, na apostila encadernada em espiral, uma atividade pré-determinada (desenhar uma passagem, escolher um personagem favorito, ilustrar a idéia principal, fazer um breve resumo etc.).

Imagino que nem todos os alunos façam a tarefa de bom grado. No início a escola tentou uma competição: a criança que pegasse mais livros na biblioteca ganharia um prêmio ao término do período X. Minha filha logo chiou: “mamãe, assim não vale. Tá muito chata essa história de quem lê mais. Tem gente que só pega livrinho fininho e com muita figura pra ler rápido e pegar outro. Eu que escolhi pelo título, por que achei interessante a história, vou perder. O meu livro é muito mais grosso que os outros!”, choramingou.

Tinha ela razão. Vencer a competição era o objetivo das crianças sob o pretexto da escola de formar o hábito da leitura e quiçá cidadãos do futuro. Nesse meio tempo, crítica daqui, chororô acolá, ficou difícil para a professora lidar com a manobra “pedagógica”, deslindada pela pequena estudante.


O projeto competitivo saiu de cena e a apostila em espiral continuou seu trajeto, às sextas-feiras, mochila adentro; só que agora sem a pressão de se ser o primeiro lugar no ranking de “leituras lidas”. Algumas crianças ficaram aliviadas. Alguns pais também. Ufa!

Chegado o dia de mais uma escolha, minha menina, que se chama Ana (Luísa) optou por pegar um livro chamado Ana e Ana, segundo as palavras dela “achei pela capa que podia ser interessante”. E era. Aliás, é!

O livro de Célia Godoy, ilustrado divinamente por Fé, narra a história das gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz, que idênticas na aparência tentavam se distinguir por cores, roupas, adereços, ainda que “por dentro” fossem bem diferentes nos gostos e afinidades com o mundo. Cresceram e cada uma tomou um rumo, até que...

Até que eu parei para pensar se a leitura é um “hábito-ato” possível de se formar em alguém. Sendo professora há algum tempo e exatamente na área de produção de textos, leitura e interpretação, recordei das principais dificuldades e justificativas dos meus alunos quando perguntados sobre o tal, difundido, alardeado: hábito de ler!

Em geral, se apontam desconcentração, sono, preguiça, falta de exemplos familiares, ausência de livros em casa, dificuldade de entendimento, cansaço, visão embaralhada, e, principalmente, falta de tempo! Questionados sobre este último item, respondem: “ah, professora tem muita coisa melhor a fazer do que ler, como ver TV, praticar esportes, sexo, passear, navegar pela internet...”.

“– Mas céus! Vocês não gostam de ler nada?”, re-interrogo.
“– Também não é assim. A gente lê sobre o que gosta ou sobre o que precisa”.

Se tempo é uma questão de prioridade, e nele a gente ocupa primeiro o que dá prazer ou necessita, aonde entra o esforço pedagógico de formar o hábito de ler? Creio que na vala comum.

Diz o companheiro Houaiss que hábito é “maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente; costume, regra, modo, maneira permanente ou freqüente, regular ou esperada de agir, sentir, comportar-se; mania”.

Ora, formar o hábito de ler para quê?

Em certa medida, quem tem uma formação escolar considerada razoável (sei lá o que isso significa) lê o que lhe atrai. Jornais, almanaques, cadernos de esporte, revistas semanais, publicações de fofocas etc, estão pelas esquinas e bem amassadas, indicando que mãos e olhos passaram por ali.

E daí?

Nada!

O hábito de ler, melhor formulando, a prática de ler não significa em essência nada. O costume de ler pode ser um desábito de adquirir conhecimento. Entrar no piloto automático da leitura não traz por si só transformação.

Se ler é um dos caminhos para se chegar ao conhecimento de determinado fenômeno, idéia, verdade, ler por ler é no máximo chegar à aquisição de dados brutos e informações superficiais, massificadas, deglutidas por seus autores para todos.

Hoje deveríamos por em pauta, conclamar, não o desgastado hábito de ler, mas sim o hábito de pensar, o hábito de querer saber, o hábito de ser curioso. Se os próprios considerados – pelos professores – não-leitores admitem ler o que lhes interessa, óbvio seria despertar antes a vontade de conhecer. Ler, por hábito, deveria deixar de ser regra de conduta apregoada pelas escolas. Transformar o pensamento e ampliá-lo por desejo, deveria ser a etiqueta.

Ler é mera conseqüência. A causa é querer sair do lugar-comum, voar sem tirar o pé do chão, pensar para existir... Meu hábito maior é “Ser” e por isso eu leio muito. Dessa forma, vou me desabituando de mim para me habituar às minhas releituras...
Brasília, 14 de setembro de 2008 - Cerrado na seca!




(Tirinha criada especialmente para este texto por minha amiga Creisi - veja outras tirinhas aqui)

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Ensinar e aprender...




Demais não é o suficiente:
a arte do essencial
Por uma aprendizagem integral




Arte e texto

por Solange Pereira Pinto
Brasília, 30 de junho de 2008



A pós-modernidade é conhecida pelo consumo, pela superficialidade, pela rapidez, pelo “descartável”. É, sem dúvida, uma época marcada pelos excessos. Muitas plásticas, muita obesidade, muita informação, muito trabalho, muito estresse, muitos acessos... Mas como pode uma civilização, como a atual, marcada por tão elevadas quantidades carecer? Podemos indagar: como perceber que o “demais” nem sempre é o suficiente?

A humanidade ao longo de sua existência tem passado por auges e declínios dos povos, hoje chamados de nações, bem como tem se questionado sobre os motivos pelos quais ora se está em um patamar, ora em outro. Por outro lado, individualmente, interroga-se como encontrar respostas para os sofrimentos e as necessidades. As soluções, nem sempre fáceis de alcançar, em geral, reúnem alguns traços que podem ser comuns àqueles que se superaram, sejam como coletividade ou como cidadãos. Percebe-se que, nos vários tipos de conquistas que se deram, destacam-se: a inteligência, a consciência, o conhecimento e o esforço.

Perscruta-se que foi necessário ao homem libertar sua inteligência, esforçar-se e buscar o conhecimento para que pudesse ascender graus evolutivos. O pensamento, a ética, a moral, os valores, os princípios, a cultura, o desenvolvimento humano são frutos de seres que se esmeraram, e se esmeram, em manter livre o uso da razão e da consciência para darem a si e aos semelhantes condições dignas para traçar um destino nobre, espiritualmente elevado, favorável ao crescimento e à aprendizagem consciente.

No entanto, ao se ler os jornais e as revistas, ao se ouvir os noticiários da TV e do rádio, as pessoas se deparam com números e atrás deles cegamente correm; sejam eles os números da balança a indicar uns quilos a mais, sejam os números da conta bancária a refletir um gasto extra, sejam os números da última estatística educacional a mostrar a quantidade de escolas com notas superiores ou inferiores ao que se deve ser, ou outra quantidade qualquer. Vão dessa forma se tornando pesos mortos, massas de manobras, com pouca, ou quase nenhuma, atuação sociopolítica.

Envoltas em números, muitas almas são sufocadas e se sentem perdidas nesse mar informacional, que deveria mais servir ao despertar e menos ao aprisionamento dos indivíduos no calabouço da ignorância.

Todavia, há solução e se faz premente apresentá-la. Seria tal como apontar saída de emergência em um cinema lotado em caso de incêndio. Lá estão as pessoas vidradas em mais uma cena de aventura e a fumaça lhes corre pelo nariz, e, ainda assim, não a percebem. A porta que se abre não apenas as livra do sufoco; ela as liberta para o ar puro. É necessário que se encontre um rumo, além de que se adentre a sabedoria. Mas como fazê-los?

Transcendendo!

O conhecimento que adquirimos no mundo deve servir para alcançar a sabedoria e promover transformação. É pelo internalizado “saber” que o homem aperfeiçoar-se-á atuando com percepção moral e juízo elevado de valor. E, ao se desenvolver, com senso crítico, será exemplo inspirador de outros que assim busquem com vontade sobreviver às penúrias que devem suportar na vida.

Pelo estudo, pela leitura, pela palavra, pela escrita, pela educação dirigida que os seres humanos devem se orientar – não somente para aprender a satisfazer às necessidades da vida, mas, também, para resolver o que a vida lhes apresentar – visando atingir uma meta que lhes conduza ao caminho dessa tal Sabedoria .

Essa virtude tão requisitada e enigmática é deveras uma arte. Bem assim o são os atos de ensinar e aprender. Só se pode ensinar o que se sabe, não é óbvio? Ocorre que, ensinar, no sentido daquilo que transcende e modifica em prol da sabedoria, envolve meandros poucos discutidos pelo senso comum. Ensinar enseja observação, assimilação verdadeira, exemplo, escuta, consciência, humildade, generosidade. É um ato de iluminação real, ilustração.

A arte de aprender está do mesmo lado da moeda, ainda que aparentemente oposto, expressando as capacidades de bondade, elevação, caráter e vocação, dentre outras características, as quais somos capazes de estabelecer num plano que a natureza prima pelo aperfeiçoamento e evolução espiritual.

Essas inquietudes e necessidades do que se chama “espiritual” se manifestam. Os livros vêm e vão na tentativa de encontrar as chaves libertadoras das saídas. Em consonância, ensinar exige sabedoria, paciência, abnegação, novamente vocação...

Destarte, é pelo autoconhecimento, é pelo adentrar em umbrais da vida e das próprias sombras, é pelo movimento de auto-superação, é pelo descobrimento consciente dos agentes causais, é pelo entendimento das nuanças da alma, é pela transcendência da esfera comum, é pela consciência de si e do outro, é pelo conhecimento da mecânica do pensamento, é pela evolução consciente, é pelo discernimento, enfim é pela arte de aprender e pela arte de ensinar por “todo” que o nosso espírito se tempera e segue um novo e elevado destino.

Assim, é pelo essencial que o homem deve se guiar, pois muitas vezes há demais e não é suficiente. É preciso propagar a vontade de aprender. Ou, de outra maneira, haverá muita gente sufocada de “informações”, entretanto carente de conhecimento, porque é por meio da capacidade de estudo estimulado e consciente que se engrandecem os seres e se transformam as civilizações. É mediante a superação intrínseca que nos tornamos mais aptos a chegar ao pensamento supremo que encarna a vida universal.

Finalmente, vale ressaltar que “a arte de ensinar encontra sua máxima expressão na alma daqueles cuja vontade de aprender se faz possível. Assim como o bem que recebem e os saberes com os quais se instruem se completam e efetivam a realidade para o seu aperfeiçoamento integral”. É na busca incessante do essencial que se desperta para a consciência, e estando sempre alerta que: demais nem sempre é suficiente.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Vid(inha)




- Nossa, mas você fará uma “festona” para sua filha?
- Sim, por quê?
- Isso é uma bobagem! Gastar dinheiro à toa.
- Mesmo? Você acha?
- Sim! Faça uma fest(inha) que tá bom. Ela nem vai notar...
- Será?


Era sim muita grana para uma mãe professora com salário de três dígitos apenas. Era sim uma “festona” com direito à decoração diferente, animação variada, muita guloseima e lembranc(inha), e com, até, o mágico mais famoso da cidade. Era sim uma festa de aniversário para 60 crianças e quase 100 jovens e adultos. Era sim uma comemoração dos sete anos de vida de uma menin(inha) linda, preciosa, única.

- Ah! Deixa de ser boba! Você pode gastar essa dinheirama com algo mais concreto.
- É?
- Sim, mulher! Coisas que ela precisa. Roupas, um brinquedo legal ou até guardar na poupança para quando ela crescer.
- Ah...


A histor(inha) acima ilustra a época em que vivemos. Mentira. Mostra os valores que cultivamos. Melhor dizendo, aponta para onde devemos olhar e crer. Festa é para quem tem cacau “sobrando”. Festa é “desperdício” de tutu. Quem nunca ouviu falar de meninas que trocam o tradicional debute por dinheiro? Sim. Fazer festa é gastar grana para “encher” a barriga dos outros. Deixa de ser boba... Aproveite SOZ(INHA).

Comemorar um aniversário “espetacular” é praticamente uma heresia para pobres e remediados - eta palavr(inha) feia e insensata! – pois é tido por um gasto com algo sem “utilidade”. Capital jogado no lixo!


- Pense bem quanta coisa você pode comprar com essa fortuna empregada numa fest(inha) de criança?
- É, poderia sim...
- Então! Faça um bol(inho) e chame uns amigu(inhos) que já está muito bom.
- Sei...
- Ela nem vai se lembrar disso depois. Pode apostar.
- Talvez...
- Vá por mim. Faça uns doc(inhos) e uns salgad(inhos), um enfeit(inho), uma vel(inha), uns balõez(inhos) e pronto!


Investir em sonhos, fantasia, afetos e bem-quereres parece cada vez mais um investimento arriscado e fora de propósito. Festão (para não ricos) está em baixa na bolsa de valores humanos. Ter a adrenalina do coração disparado durante um jogo com o palhaço; receber convidados, ter a companhia dos amigos, comer gostosuras, encher os olhos de beleza ao brilhar da purpurina, gargalhar perto de quem se ama, explodir de alegria por que um monte de gente veio ao seu aniversário parecem privilégio de poucos afortunados. Guardar na memória cheiros e emoções só a preços baixos.

Celebrar o aniversário é investir em acolhimento. É enaltecer um ser humano que nasceu e vive por mais um ano. É desprendimento e generosidade para com o outro. É cortesia. É reverência. Uma festa de aniversário grandiosa por parte daquele que não tem “sobrando” pode ser a tradução de uma mensagem cada vez mais difícil de repassar: não tenha uma vid(inha), você é importante tanto quanto outro qualquer.

Depois que o “big é big” pára cada um retorna ao lar e a aniversariante de sete anos, que mal se contém de felicidade, deita na cama com os olhos brilhando e diz “mamãe hoje é o dia mais feliz da minha vida”. E isso não tem preço. Ou melhor, custou uma dinheirama... Mas não em vão para quem pretende ofertar um “vidão” de afetos, amizades, vínculos, e valores; para quem talvez queira mostrar aos filhos que há valores mais abstratos (do que concretos em si) que valem o cultivo.

Não era uma fest(inha) qualquer, artificial, comprada, banal, e sim um festão construído pedaço por pedaço; pensado e preparado para ser o maior, o melhor, o mais bonito, o espetacular, simplesmente por que aquele dia era para dizer à filha quanto ela é única e merece aplausos. Muitos aplausos da vida.

Eu, acompanhada

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